Não costumo escrever sobre questões econômicas por uma simples razão, trabalho há mais de vinte anos no Ministério da Fazenda, então não é éticamente responsável. Mas por vezes escrevo sobre temas econômicos que estão longe da minha área de atividade. As questões de comércio internacional, apesar de já ter trabalhado com o tema, não fazem parte do meu dia a dia. Eu já publiquei dois livros sobre o assunto, justamente por isso. Eu tenho até outro blog que coloco questões econômicas mais gerais, mas rearamente escrevo lá, mal tenho tempo para esse.
Meu caro amigo, Adilson, pediu, aqui no blog. que eu desse minha opinão sobre as tarifas do Trump. Estou de férias, mas tirei um tempo para isso.
Realmente, leio 90% de bobagem sobre o assunto, especialmente vindo de jornalistas, mas também de economistas e "gente de mercado".
Não vou tratar dessas bobagens, porque não gosto de perder tempo. Vou responder apenas às bobagens que são vindas de gente que eu respeito.
Em geral, gente que eu respeito se apega a ideia de "livre mercado", são pensadores com tendências libertárias, que valorizam "livre" circulação de mercadorias e de capital.
Aqui vão pontos chaves de minha opinião:
1) Livre mercado não existe e nunca existiu. Não são apenas as tarifas que representam mercado não livre, mas regulações tributárias, regulações trabalhistas, regulações ambientais, regulações de negócio, infraestrutura, corrupção, estrutura politica...
Qualquer um que fale contra Trump em defesa do livre mercado terá que provar que seu país pratica livre mercado ou pratica mais livre mercado que os EUA.
2) Não existe esse negócio de livro texto de que o mercado "se ajusta" no comércio internacional. Claro que países muito superavitários e com boa estrutura econômica podem sofrer valorização excessiva da moeda que acabam prejudicando suas exportações. Mas esse tipo de coisa pode ser revertida com alteração em juros ou câmbio.
3) A questão das tarifas nos EUA é bem antiga, Roosevelt pensou em fazer o que Trump está fazendo e Obama disse que ia fazer e não fez.
4) Qualquer um que fale contra as tarifas de Trump terá que reconhecer duas coisas, inicialmente:
a) Trump tem razão que há décadas a imensa maioria dos países (amigos ou inimigos) exploram o regime baixo de tarifas dos Estados Unidos e ao mesmo temppo penalizam os EUA com elevadas tarifas. Isto é, vendem para os Estados Unidos mas dificultam que os Estados Unidos vendam para eles.
b) O Secretário de Tesouro de Trump tem razão quando diz que nesta guerra comercial os Estados Unidos têm uma imensa vanragem, porque é o país deficitário, todos aqueles que são supervaitários (exportam mais que compram dos Estados Unidos) estão em desvantagem, pois dependem dos EUA. Todos terão que tentar negociar com Trump. O Secretário disse que 70 países já estão tentando negociar.
5) Trump vai sofrer consequências políticas e econômicas de suas nas tarifas. Sim, certamente. Os preços podem subir nos EUA e persistirem, e a oposição e a mídia podem usar isso contra ele.
No momento, o mercado financeiro está em queda significativa, não é a maior queda dos últimos tempos, mas está em queda. Bom, em tese, isto é bem normal, mercado financeiro detesta incertezas, e Trump está alterando as perspetivas de virtualmente todas as grandes empresas do mundo.
Além dessas incertezas há outras questões comportamentais e mesmo ideológicas (minha tese de doutorado é spbre fnanças comportamentais).
Isso persistirá, acho que essa questão das tarifas vais er fatpr no mercado financeiro por bom tempo. Mas eu não digo que o mercado "corrigirá", porque acho que esse negócio de mercado "corrigir" não existe. Corrigir o quê? Para que status quo?
Ao final, quem vencerá esta guerra? Bom, se eu fosse líder de um país, eu reconheceria aqueles fatores e logo procuraria negociar com Trump.
Gente que respeito condena o aumento das tarifas porque no passado os EUA fez isso e provocou muita recessão.
Acho que sim, que tem chance de provocar recessão em vários países no mundo, incluindo os EUA. Mas do lado dos EUA, a economia americana é de longe a mais poderosa, muito mais que foi no passado, então as previsões do passado não valem muito. E Trump está aberto para negociar ajuste nas tarifas.
O que os países vão fazer enquanto não negociam com Trump? Vão tentar desvalorizar a moeda, para facilitar exportações e dificultar importações.
O resultado no final (não sei quando se poderá determinar o "final") vai depender de muitos questões políticas e econômicas.
Bom dia, dr. Pedro.
ResponderExcluirHoje acordei um pouco tarde, e já vim correndo aqui no blog pra vê se já tinha algo (rsrs).
Obrigado por sua resposta. Obrigado pelo atendimento.
Ccomentando.
Sobre o ponto cinco: já estamos vendo isso. Inclusive malucos torcendo pra isso, como os radicais democratas e gente que os apoia. O ZeroHedger falar sobre isso todo dia.
Fico me perguntando: é possível que o fator ideologia (as mais contaminadas pelo poder dos sentimentos) se tornaram uma espécie de parasita intelectual a ponto de contaminar a capacidade da grande mídia, de políticos, de economistas, intelectuais (inclusive de muitos liberais atuais, no sentido clássico do termo) e dificultar-lhes considerar alguns dos pontos acima citados? Bom, sabemos que os espíritos gerados pela Modernidade trouxeram mudanças nas mentes dos homens, e de tal sorte que até a Igreja sofreu com isso.
Continuo em outros comentário.
Continuando:
ResponderExcluirEu havia solicitado sua opinião sobre os atuais turbilhões opinativas por dois motivos:
primeiro: embora eu não entenda de economia, nem finanças e nem geopolítica, eu percebi que na imprensa brasileira há mais balbúrdia que seriedade e sinceridade; bom, essa gente pensa mais em agredir que serem responsáveis. Certamente são pagas pra isso e trabalham para agitar as massas. Mas o fundamento mesmo disso creio que é falta de formação mesmo; não foram agraciados por boa formação. Analistas bons são como bons músicos e bons escritores: custam caros, pois o preço para formá-los é ALTÍSSIMO.
Vejo essa deficiência em pessoas da dita direita que embora bem intencionados ainda se permitem embriagar-se pelo espirito local.
Segundo: semana, em busca de algum artigo que esclarecesse sobre as atuais postura de Trump, eu encontrei no ZeroHedge um artigo de título 'Your Discomfort Means It's Working'. Achei o artigo bem racional, e acho que o autor trouxe um ponto chave no seguinte fragmento:
"Agora, vamos dar um zoom out e pensar sobre o que o presidente Trump está tentando realizar com sua agenda tarifária. Ele está essencialmente dizendo que o status quo nos Estados Unidos não está funcionando e grandes mudanças precisam ser implementadas — mudanças que chocarão a economia global — para remediar o problema."
Achei o artigo bem deprimente porque aponta coisas que faz parte do dia-a-dia das cidades que estão quebrando (e até quebraram) lá nos EUA (acho que lá não tem os políticos pra salvar industrias e bancos como aqui).
Obrigado, dr Pedro.
Embora não seja um especialista no assunto, acho que Trump sabe muito bem o que está fazendo.
ResponderExcluirA teoria da guerra justa se aplica também à "guerra comercial"?
ResponderExcluirGuerra Justa trata da justiça da guerra. Guerra comercial esconde muitos problemas de justiça mas é um assunto muito privado. Não há autoridade a quem recorrer. Critérios da guerra justa não servem.
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