Domingo, o site WikiLeaks disponibilizou para três jornais (New York Times, The Guardian e Der Spiegel) mais de 90 mil documentos sobre a guerra do Afeganistão. Não conheço a linha editorial do jornal alemão Der Spiegel, mas, tanto o americano NYT, como o inglês The Guardian são reconhecidos por serem jornais liberais (esquerdistas) e o dono do site WikiLeaks, Julian Assange, que enviou a reportagem para esses jornais sabia como seria a recepção deles. Ele também não deixou dúvidas de sua posição anti-guerra na divulgação dos documentos. Falou da everyday brutality and squalor of war (brutalidade e sujeira diárias da guerra). É certo que uma guerra nunca é limpa e que civis sempre sofrem, ainda mais no caso na guerra em questão em que é muito difícil distinguir um civil de um insurgente.
Os documentos são classificados como "abaixo de confidencial". Alguns secretos e outros não, mas não são confidenciais. Eles revelam desde relatórios táticos até anotações sobre as relações entre Estados Unidos, Paquistão e Talibã. E é neste último caso, que acho que os documentos podem reforçar a guerra e não suspendê-la.
Os documentos relatam que o serviço secreto paquistanês colabora com os insurgentes talibãs no Afeganistão. Inclusive acusa um general paquistanês (Gen. Hamid Gul). Não é um fato novo a relação do serviço secreto do Paquistão com o Talibã. Remonta à época da ocupação do Afeganistão pela União Soviética. Mas os documentos reforçam a desconfiança americana em relação ao Paquistão, país que recebe muito dinheiro dos americanos para ajuda humanitária e militar.
George Friedman do site “The Stratford” disse que os documentos provocaram um “feigned surprise not a real surprise” (surpresa fingida não uma surpresa real), pois não revelam fatos desconhecidos, apesar de possuir detalhes. Para Friedman, os documentos ressaltam duas informações: primeiro, que o Talibã é uma força mais sofisticada do que aparenta; segundo, a questão sobre os fornecedores das armas mais sofisticadas do Talibã, uma vez que esse não produz nada. Este segundo ponto nos leva novamente para o Paquistão.
A guerra do Afeganistão é um conflito, para os Estados Unidos, contra o terrorismo, contra a al-Qaeda. Este grupo terrorista não se encontra somente no Afeganistão, suas ramificações são consideradas globais. Por isso, os Estados Unidos não têm tanto foco na derrota do talibã, nem mesmo atualmente empregam recursos suficientes para derrotar este grupo de insurgentes que se espalham por um território bastante inóspito. O Paquistão sabe que os Estados Unidos não vão ficar muito tempo, ainda mais depois do Obama, que já anunciou a saída para próximo ano, e vão procurar possuir uma boa relação com o Afeganistão mesmo que ele seja administrado pelo Talibã. O Paquistão já possui problemas na fronteira com a Índia e a etnia pashtun do Afeganistão também está presente no Paquistão. O Talibã tem o tempo a seu favor e também conta com o apoio de partes das forças armadas paquistanesas. Neste sentido, Friedman nos fala que os Estados Unidos enfrentam o Talibã com o Paquistão agindo de forma dúbia, falando em público contra o Talibã, mas dando apoio secretamente. Mas os Estados Unidos também não têm interesse em perder o apoio do Paquistão, pois não desejam a Índia como única potência na região.
Muitos dizem que os documentos podem acelerar a saída dos Estados Unidos de uma guerra muito difícil, pois o Talibã conhece muito bem o terreno, usa civis e possui apoio (Paquistão) de quem tem informações sobre os aliados, além de possuir suporte do Irã. Mas a saída dos americanos na região pode significar uma catástrofe. O colunista Bret Stephens do Wall Street Journal nos lembra hoje em seu artigo chamado “From WikiLeaks to the Killing Fields”~, que a saída dos Estados Unidos do sudeste asiático depois da guerra no Vietnã resultou na morte de mais de 165 mil vietnamitas, êxodo em massa de um milhão de pessoas, assassinato de 100 mil no Laos e a matança de quase dois milhões de pessoas no Camboja, durante o poder do Khmer Vermelho.
Aliás, hoje foi anunciada a primeira sentença de um membro do Khmer Vermelho no Camboja, comandante Kaing Guek Eav, conhecido como Camarada Duch. Ele é responsável por mortes e tortura de milhares de pessoas. Era o comandante da principal prisão e centro de tortura do Khmer Vermelho. A sentença de 19 anos não satisfez os parentes das vítimas. Mas é primeira vez no Camboja que um alto funcionário do governo foi responsabilizado por sérias violações de direitos humanos e a primeira vez que um julgamento do gênero foi realizado.
Interessante é que os líderes do Khmer Vermelho eram intelectuais que estudaram na França e tiveram influência do Partido Comunista Francês. A teoria usada por esses líderes, inclusive, tinha inspiração na teoria da dependência. Alô, Fernando Henrique Cardoso! Eles achavam que o Camboja teria que se desenvolver sozinho, sem relações com os países desenvolvidos e que o comunismo poderia vir dos agricultores, sem fomentar uma indústria nacional. Fome e morte foi o resultado da teoria.
O Talibã também não segue a cartilha da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Os direitos das minorias são letra morta para ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Certa vez, li uma frase em inglês muito boa para ser colocada quando se abre para comentários. A frase diz: "Say What You Mean, Mean What Say, But Don’t Say it Mean." (Diga o que você realmente quer dizer, com sinceridade, mas não com maldade).