quarta-feira, 13 de abril de 2022

O Que Pensam os "Beneplenist"', Benevacantist" ou "Resignationist"

 

Minha posição sobre Bento XVI e sua renúncia sempre foi simples: Bento XVI renunciou e assim cometeu um dos maiores erros da história da Igreja. Ele não é mais papa, o papa agora, infelizmente, é o Papa Francisco, e todos os erros teológicos de Francisco de alguma maneira recaem também sobre Bento XVI. E nós que ficamos sujeitos ao pontificado de Francisco devemos procurar nos santificar para lutar cada vez mais forte contra as heresias propagadas.

Outra coisa, não sou grosseiro ou agressivo contra quem é sedevacantista ou acha que Bento XVI ainda é papa e Francisco é antipapa. Afinal de contas, na história da Igreja existiram fantásticos santos que defenderam antipapas. Eu aceito bem menos quem ainda defende as posições teológicas de Francisco, pois ele já fez muitos atos e palavras claramente heréticos.

Mas hoje em dia, com o acúmulo dos erros e mesmo heresias propagadas por Francisco, temos um pensamento entre os católicos cada vez mais forte. O pensamento de que Bento XVI é ainda o papa reinante.

Outro dia, eu fui entrevistado pelo Prof. Hermes Nery sobre a consagração da Rússia a Fátima, e recebi o comentário de alguém que não gostou da live justamente porque eu falei minha opinião sobre Bento XVI, o comentarista acha que Bento XVI ainda é papa.

Na internet de língua inglesa esse pensamento tem recebido três nomes que eu ainda não vi traduzidos para o português: Beneplenism, Benevacantism e Resignationism. Todos defendem que o Bento XVI continua sendo papa. Talvez em português seja Beneplenismo, Benevacantismo e Renuncianismo.

Trago esse assunto hoje ao blog porque vi um vídeo do professor Taylor Marshal sobre o Beneplenism e li um artigo do filósofo Edward Feser que usou o termo Benevacantism

O texto de Feser é bem mais interessante e educativo sobre o tema.

No vídeo de Taylor Marshall, ele apenas discute apenas o fato de que Bento XVI usou o termo "ministerium" e não "munus" durante sua renúncia. Ministerium significaria apenas a ação ativa de papa, enquanto "munus" significa o ofício de papa. Bento XVI então teria renunciado apenas às obrigações ativas de um papa e não sua posição de papa. Marshall não concorda com essa posição, especificamente porque ministerium também é usado em latim para significar ofício.

Feser faz uma análise bem mais completa do pensamento de que Bento XVI ainda é papa.

Ele considera que achar que Bento XVI ainda é papa é "escandaloso e inútil" (scandalous and pointless).

Ele analisa especificamente duas teorias de Benevacantism

1) Aquela que observa que o assessor do Papa, arcebispo Georg Ganswein, disse em 2016 que a renúncia de Bento XVI inagurou um novo tipo de papado, expandiu a ideia de papado, para uma que temos um ofício com dois membros, um ativo e um contemplativo. Essa teoria se fixa naquela questão do "ministerium" e "munus" e  argumenta que como Bento XVI ainda tem o ofício, ele é o verdadeiro papa.

2) A outra teoria do Benevacantism argumenta que Bento XVI até tentou renunciar mas falhou, porque ele não entendia muito bem, que um Papa deve renunciar ao "munus" e não ao "ministerium". Como ele falhou em sua posição doutrinária, a eleição de Francisco é um erro, e Francisco não é o papa.

Feser ainda considera outras posições do Benevacantism em seu texto, como aquela que diz que Bento XVI foi obrigado a renunciar por conta de conspiração contra ele dentro do Vaticano.

Mas ele se fixa muito mais naquelas duas teorias.

Vou traduzir agora como Feser derruba as duas teorias:

"Você pode pensar que a ideia de que Bento XVI ainda é papa é muito boba para valer a pena comentar. Mas há duas razões para fazê-lo, a saber, que é escandaloso e que é inútil. É escandaloso na medida em que aqueles que o promovem estão levando os católicos ao grave pecado do cisma, ou seja, recusando a devida submissão ao Romano Pontífice, que (gostemos ou não) é de fato Francisco. E embora seja a opinião de apenas uma pequena minoria, alguns deles são influentes. Não faço nenhum julgamento aqui sobre a culpabilidade daqueles atraídos por esse erro, muitos dos quais são pessoas bem-intencionadas compreensivelmente perturbadas pelo estado da Igreja e do mundo. Mas que é um erro, não pode haver dúvida razoável.

Isso me leva à outra razão para comentar o benevacantism, que é a sua inutilidade. Em particular, a visão é incoerente e, de fato, autodestrutiva, mas de uma maneira que me parece filosoficamente interessante. Para ver como, vamos começar lembrando a motivação que as pessoas têm para querer que o Benevacantismo seja verdadeiro.

Agora, eu não acho que nenhuma dessas teorias seja plausível. Mas vamos fingir que são. Eles resolveriam o problema que pretendem resolver – ou seja, o problema de ter que lidar com um papa genuíno que diz e faz coisas teologicamente altamente problemáticas? Nem um pouco, e é por isso que digo que o benevacantism é inútil.

Suponha que a teoria 1  (aquela que usa as palavras do arcebispo Ganswein) fosse verdadeira. Então Francisco seria algo como o vice-rei de Bento XVI, agindo em seu nome e com sua autoridade. Suas palavras e ações teriam qualquer autoridade que tivessem precisamente na medida em que ele age em nome de Bento XVI e, com efeito, seriam palavras e ações de Bento, especialmente se Bento não fizesse nada para corrigi-las. (Lembre-se aqui do ensinamento de Tomás de Aquino na Summa Theologiae II-II.182 de que a vida ativa “serve mais do que ordena” a contemplativa é superior a ela. Portanto, se o papado realmente fosse dividido em “contemplativo” e “ativo” membros, este último seria o instrumento do primeiro.)

Certamente a dificuldade aqui é óbvia. Segue-se que as palavras e ações problemáticas de Francisco também seriam, de fato, as palavras e ações problemáticas de Bento XVI. Portanto, esta primeira versão do Benevacantism não faria nada para resolver o problema de como um papa poderia dizer e fazer as coisas problemáticas que Francisco fez. Apenas transferiria a responsabilidade por essas palavras e ações problemáticas de Francisco para Bento. De fato, isso pioraria a situação, porque você não teria apenas um papa que é responsável em última instância pelas palavras e ações problemáticas em questão, mas também um que, além disso, permite que os fiéis fiquem confusos sobre quem exatamente é o papa realmente é. Benevacantistas pensam em Bento como um papa melhor do que Francisco, mas na verdade essa primeira versão de sua teoria implicaria que ele é um papa pior.

Suponha que, em vez disso, tenhamos escolhido a teoria 2. Isso dificilmente é melhor; na verdade, pode ser ainda pior. Por um lado, também neste cenário, Bento XVI não se mostra um defensor da ortodoxia melhor do que Francisco. Em vez disso, a teoria faria dele um defensor tão incompetente e não confiável da ortodoxia que ele nem mesmo entenderia a natureza do próprio papado, que deveria ser o baluarte final da ortodoxia. De fato, ele seria tão incompetente e pouco confiável que nem mesmo saberia quem o papa realmente é, e que é precisamente ele mesmo que ainda é papa. Ele estaria, de fato, em cisma de si mesmo e culpado de subordinar a si mesmo e o resto dos fiéis a um antipapa!

Este seria um guardião da ortodoxia superior a Francisco? Seriamente?

Mas fica pior. Suponha que uma dessas duas versões do Benevacantism fosse verdadeira. O que a Igreja deve fazer? Presumivelmente, na melhor das hipóteses, o próprio Bento XVI endossaria publicamente alguma versão da teoria. Mas isso seria um desastre. Se ele endossasse a teoria 1, ele estaria de fato dizendo que silenciosamente permitiu que a Igreja fosse gravemente enganada e mal governada por quase uma década – que ele foi papa o tempo todo, mas falhou em cumprir seus deveres como papa, e assim, com base em uma nova teoria teológica que não tem fundamento ou precedente no ensino histórico da Igreja. Por que, nesse caso, qualquer católico deveria confiar nele ou em seu magistério novamente? E, claro, milhões de católicos não confiariam nele, nem aceitariam essa afirmação chocante, e continuariam a reconhecer Francisco como papa. Isso acarretaria um cisma sem precedentes na história da Igreja, sem meios claros de resolução.

Suponha, em vez disso, que Bento XVI venha a endossar a teoria 2 e faça um anúncio nesse sentido: “Ei, ouçam todos, afinal, ainda sou papa! Ninguém está mais surpreso com isso do que eu, mas aí está. Por meio deste, retomo imediatamente meus deveres e ordeno a Francisco que se afaste”. Por que alguém deveria considerar esse julgamento mais sólido do que o julgamento anterior que ele fez no sentido de que ele não era mais papa? Nesse caso, novamente, por que qualquer católico deveria confiar nele ou em seu magistério novamente? E aqui também milhões de católicos não aceitariam este anúncio, mas julgariam que ele havia enlouquecido e continuaria seguindo Francisco. Mais uma vez, estaríamos presos a um cisma sem precedentes e insolúvel.

Ou suponha – como, nem é preciso dizer, é o cenário muito mais provável – que Bento vá para o túmulo sem endossar qualquer versão do benevacantismo. O que então? Se ele morrer antes de Francisco, como vamos conseguir um papa validamente eleito novamente, dado que tantos dos atuais cardeais foram nomeados por Francisco, que os Benevacantistas afirmam ser um antipapa? Estaríamos presos a todos os problemas do sedevacantismo. E as coisas dificilmente seriam melhores se Francisco morresse antes de Bento XVI enquanto Bento continuasse afirmando que não é mais papa.

Chamar o benevacantism de meia-boca seria muito generoso. É uma bagunça teológica completa. Não oferece nenhuma solução para os problemas colocados pelas palavras e ações controversas do Papa Francisco e, de fato, torna as coisas muito piores. E ainda por cima leva os católicos ao grave pecado do cisma. Por isso, como digo, é escandaloso e inútil ao mesmo tempo.

Também é um não-iniciante, mesmo fora de tudo isso, porque não pode haver dúvida razoável de que Bento XVI renunciou validamente. O cânon 332 §2 do Código de Direito Canônico nos diz:

"Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao seu cargo, é necessário para a validade que a renúncia seja feita livre e devidamente manifestada, mas não que seja aceita por qualquer pessoa."

Agora, Bento XVI renunciou pública e livremente ao seu cargo e reafirmou publicamente que sua decisão foi tomada livremente, em resposta àqueles que especularam o contrário. Ele também reconheceu explicitamente que há apenas um papa e que é Francisco. Sua renúncia, portanto, atende claramente aos critérios de validade estabelecidos pelo direito canônico. Fim da história.

Alguns sugeriram que a renúncia não pode ter sido feita livremente porque, dizem eles, foi feita sob a influência de uma teoria errônea do papado, ou seja, a descrita por Gänswein. Mas isso é um non sequitur, como qualquer católico deve saber que está familiarizado com as condições para um pecado ser mortal – matéria grave, pleno conhecimento e consentimento deliberado. Meu ponto não é que a renúncia de Bento XVI foi pecaminosa, mas sim que essas condições ilustram o ponto geral que a Igreja distingue agir com pleno conhecimento e agir com consentimento deliberado ou livremente. E o direito canônico torna apenas o último, e não o primeiro, uma condição para a validade de uma renúncia papal. Portanto, mesmo que a renúncia de Bento tenha sido feita sob a influência de uma teoria teológica errônea sobre o papado, isso seria irrelevante para que ela tenha sido feita livremente e, portanto, válida.

Alguns, no entanto, insistirão que Bento XVI não agiu livremente, porque especulam que ele estava sendo chantageado ou agindo com medo. Mas ele negou isso publicamente e, depois de nove anos, ninguém ofereceu nenhuma evidência de que seja verdade. Observe também que o direito canônico diz que não é necessário que uma renúncia seja “aceita por qualquer pessoa” para que seja válida. Portanto, nem Bento nem ninguém tem qualquer obrigação de provar para a satisfação dos benevacantistas que sua renúncia foi válida para que seja realmente válida.

Mas e as opiniões relatadas por Gänswein? Se realmente são de Bento XVI, não colocam pelo menos alguma dúvida sobre sua renúncia? Não, de jeito nenhum. São apenas as opiniões pessoais de um homem que agora é apenas um teólogo particular, que aparentemente acredita que seu novo ofício de “Papa Emérito” é em alguns aspectos análogo e até herda algumas das dignidades e funções do ofício do papado – um cargo que ele não ocupa mais, e que ele reconheceu que não ocupa mais. Pode-se aceitar sua teoria sobre a natureza do cargo de “Papa Emérito” ou rejeitá-la, mas isso é irrelevante para saber se Bento renunciou validamente. E permanece irrelevante mesmo que Bento tenha acreditado nessa teoria antes de renunciar, pois também não teria sido nada mais do que a opinião teológica privada de Bento, e não um ensinamento oficial da Igreja.

Francisco, e somente Francisco, é o papa. Você pode lamentar isso, mas é a realidade. E o primeiro passo para lidar com alguma realidade que você não gosta é enfrentá-la, em vez de recuar para a fantasia.


6 comentários:

Anônimo disse...

A postagem de hoje merecia ser publicada num jornal de grande circulação.
👍👍👍

Pedro Erik Carneiro disse...

Obrigado, caríssimo(a).

Grande abraço,
Pedro Erik

Adilson disse...

Bom dia, Dr. Pedro.

Eu vinha lendo esta postagem como que a contra-gotas. Infelizmente, eu estava ocupado com algumas coisas, e estava sem tempo para dedicar algum tempo em comentar. Aqui estou.

Primeiro: ótima postagem. Realmente ótima. Gostei muitíssimo dos três termos cunhados na língua inglesa que se teu texto nos trouxe. Só mesmo o Thyself para nos trazer interessantes informações como esta. Os outros blogs (prefiro não citar) estão mais ocupados em nutrir picuinhas estúpidas e infrutíferas, pois as mentes dos que lá escrevem, ao que parece, não têm sua disposição.

Segundo: como sei, e reconheço, de seus conhecimentos em história da Igreja, e sei também que nada do que o senhor escreve é algo irrelevante; especialmente alguns fragmentos entre o corpo do texto.

Li todo o texto que, aliás, está rico nas principais discussões que vêm ocupando vários teólogos, jornalistas e intelectuais em geral, tais como Taylor, Matt, o próprio Feser e vários outros (o que o inclui).

Arrancou-me a atenção, o seguinte fragmento que divido em duas partes:

1) Outra coisa, não sou grosseiro ou agressivo contra quem é sedevacantista ou acha que Bento XVI ainda é papa e Francisco é antipapa.

2) Afinal de contas, na história da Igreja existiram fantásticos santos que defenderam antipapas.


Sobre a primeira parte, nada tenho a observar. Sobre a segunda, gostaria de saber em que época, mais ou menos, alguns desses santos viveram.

Creio que minha curiosidade não é sem sentido e ela se fundamenta no temor de contribuir para o fanatismo dentro da Igreja. Acredite: eu sei os rastros de destruição que o fanatismo pode causar nas pessoas, seja entre os católicos, ou em outras religiões, como na seita dos loucos dos evangélicos. Experimentei desse mal, mas consegui escapar. Todavia, não posso dizer o mesmo de muitos de minha família.

Também vi esse mal até mesmo entre tradicionalistas.

Presencie a coisa mais horrenda e asquerosa entre eles: vi, como meus próprios olhos, um homem que acusava sacerdotes do rito novo com difamações infundáveis, enquanto contava pra o mundo que pediu invalidação do casamento porque "descobriu" que a noiva não era virgem. Resultado: descobriu-se depois que enquanto ele pagava de santo diante do mundo (inclusive o canalha me difamou), estava praticando adultério com a mulher de um dos irmãos do mesmo grupo de tradicionalistas. Por fim, o cara "enriqueceu" o mundo com mais um divórcio.

Concluo reformulando a pergunta: podes mencionar em que época, mais ou menos, alguns desses santos fanáticos viveram. Desejo ficar bem longe de alguma devoção aos tais, como hoje desejo ficar bem longe de tudo que cheire a estupidez ou fanatismo onde quer que esse mal esteja.

Pedro Erik Carneiro disse...

Meu caro Adilson,

Muito obrigado.

Bom, só para esclarecer inicialmente: eu disse Fantásticos santos e não fanáticos.

O mais renomado dos santos que defendeu um antipapa é São Vicente Ferrer. Foi muito mulagroso e trabalhou para um antipapa. Viveu entre os século XIV e XV.

Mas a Igreja teve muitos antipapas, seguramente uma pesquisa apurada vai identificar mais santos.

Abraço,
Pedro Erik

Stan disse...

Excelente artigo!

Sou fã de Edward Feser e, quando estou com alguma folga, passo os olhos em seu blog em inglês.

Uma Santa e Feliz Páscoa, meu amigo Pedro Erik!!! Para você, sua família e seus leitores.

Abração,

Stan

Pedro Erik Carneiro disse...

Obrigado, caríssimo Stan. O mesmo para você, meu amigo.

Abraço