Que tal analisar o comércio exterior do ponto de vista da teoria do caos e da erística? Para isso, leiam "Perspectivas do Comércio Exterior do Brasil em um Mundo Caótico e sem Vantagem Comparativa".
Vou contar aqui um pouco da história desse meu "filho".
A Editora Prismas me convidou para ser Diretor Científico de publicações sobre o Comércio Exterior no ano passado. Aceitei a função, coordenei a publicação de uma coletânea de artigos de vários renomados autores e resolvi também fazer minha colaboração para o tema.
Eu costumo ser professor de gestão de negócios internacionais e nunca gostei muito da abordagem de livros sobre comércio exterior, são repetitivos e filosoficamente simples demais para o meu gosto.
Eu sempre achei que as perspectivas de comércio exterior desses livros são muito falhas pois não mostram as bases filosóficas deles em um mundo que é cada vez mais um caos e sofista. E sempre achei que a formação dos economistas é muito ruim.
Minha tese de doutorado de 2006 foi sobre "racionalidade limitada", teoria que recebeu outro Prêmio Nobel este ano.
Resolvi expor como eu acho que deve ser analisado as perspectivas de comércio exterior do Brasil, agregando "teoria do caos", "racionalidade limitada" e "erística" (sofismo ou falácias usadas para vencer um debate sem necessariamente ter razão).
Apesar de ser um livro técnico, Chesterton dá a epígrafe do livro e Padre Antonio Vieira e Santo Agostinho agregam valores especiais ao texto.
Acho que ficou muito interessante.
Espero que gostem, o livro está disponível para compra no site da Editora e estará em breve em outras livrarias.
Abaixo vai o Sumário do livro e um pouco da Introdução
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Introdução:
O ano de 2017 marca o bicentenário do
livro Princípios de Economia Política e Tributação[1], de David Ricardo. A doutrina
da vantagem comparativa que é base teórica e até filosófica do livre comércio tem
fonte seminal nesse livro. Essa doutrina também fundamenta a Organização
Mundial do Comércio (OMC) na sua busca por abertura comercial. A vantagem
comparativa advoga que o comércio é benéfico para os dois lados, mesmo que uma
das partes seja melhor na produção de todos os bens. Foi elaborada pelo
economista David Ricardo, no capítulo 7, parágrafo 16, do seu livro, tratando
das produções de vinho e tecidos em Portugal, em seu comércio com a Inglaterra.
Ricardo argumentou que Portugal deveria se
concentrar na produção de vinhos, mesmo produzindo tanto vinho como tecidos com
menos mão de obra do que os ingleses. Pois
Portugal tinha, usando um termo só definido posteriormente, menor “custo de
oportunidade” na produção de vinho do que na produção de tecidos. Dessa forma,
por trás da ideia de vantagem comparativa está a lógica do “custo de
oportunidade”, que, por sua vez, é um benefício que é abdicado em favor de
outro.
O “custo de oportunidade” considera que o
benefício e o custo de uma ação devem ser medidos pelo o que se deixou de fazer,
o que demanda uma análise ampla de todas as oportunidades disponíveis.
Por isso, faltou a Ricardo analisar, por
exemplo, se Portugal só tinha disponível vinho e tecidos para produzir, se
apenas o custo de mão de obra para analisar, se só a Inglaterra como parceiro
comercial, e se, da mesma forma, a Inglaterra não poderia aprimorar seus
métodos de produção e o uso da terra. Sem falar que a troca comercial entre
Portugal e Inglaterra é dependente do momento e da questão tecnológica. David
Ricardo deixou claro que baseia sua análise apenas no custo do trabalho. e
também se sabe que no modelo de crescimento econômico dele não há progresso
tecnológico. Ricardo aceitou, por sinal, a teoria populacional de Thomas
Malthus.
Apesar
de o “custo de oportunidade” ter aplicação muito mais ampla e fundamentar a
própria lógica de vantagem comparativa, a OMC argumenta que se pode dizer que a
ideia de vantagem comparativa é “a mais poderosa ideia da teoria econômica”[2].
Em todo caso, é preciso saber se a doutrina da vantagem comparativa
ainda tem sentido, em um mundo com i) baixíssimos custos de transporte e de
comunicação; ii) avançada tecnologia de produção, que adota robotização na
produção em diversos setores; iii) alta especialização da produção; iv)
possibilidade ampla de realizar toda a produção no exterior; e v) força das
multinacionais. A própria OMC reconhece que os países estão ficando similares e
assim as vantagens comparativas dos países estão sendo eliminadas[3].
A importância do fundamento das vantagens
comparativas depende de fatores que não são fatores econômicos, são questões ideológicas
que determinarão o futuro das vantagens comparativas. Para onde o mundo está
caminhando para uma ampliação da globalização ou para o reforço do
nacionalismo? Até bem pouco tempo atrás, eram políticos de vertente esquerdista
que atacavam a globalização e defendiam a produção nacional, mas agora
políticos de direita se juntam para atacar o que chamam de “globalismo”. Na
campanha presidencial dos Estados Unidos, era Hillary Clinton que apoiava os
acordos internacionais de livre comércio, enquanto Trump denunciava o impacto
perverso desses acordos nos empregos dos americanos. No Brasil, sempre se disse
que presidentes republicanos, como Trump, eram bons para o comércio brasileiro
por defenderem o livre comércio ideologicamente, enquanto presidentes
democratas, como Obama, prejudicavam as exportações do país por insistirem na
produção doméstica, por conta da ideologia nacionalista. No caso de Obama com o Brasil, a relação do
ex-presidente com o país não foram boas, nem mesmo politicamente, apesar da
admiração acentuada dos jornalistas brasileiros por ele. Fato reconhecido pela
própria administração Obama[4]. Trump promete uma visão
mais nacionalista, então a expectativa em geral não é boa para o Brasil, mas há
nuances que o Brasil pode aproveitar. Discuto isso no Capítulo 3.
Deve-se considerar também que no arcabouço
institucional dos Estados Unidos, o Congresso americano tem muito poder,
incluindo sobre políticas comerciais. Um presidente deve saber negociar com o
Congresso, especialmente quando é dominado pelo partido opositor. Obama foi
considerado o pior presidente da história dos Estados Unidos em termos da sua
capacidade de passar leis com apoio do Congresso[5]. Assim como Obama, Trump
inicia seu governo com seu partido dominando tanto a Câmara como o Senado,
vamos ver se consegue se sair melhor que seu antecessor. Não é difícil, uma vez
que Obama, em oito anos, aprovou menos leis que Jimmy Carter, que teve apenas
quatro anos de governo.
A China, o mais importante parceiro
comercial do Brasil, não tem esse problema típico da democracia, de conflito
entre poder executivo e poder legislativo. Não se pode nem questionar as
decisões econômicas, políticas e sociais do partido único da China. Nem mesmo
os dados econômicos. O partido único na
China está presente desde o ventre da mãe chinesa até o carro chinês exportado.
No Brasil, o presidente tem mais força e
em geral tem apoio da maioria do Congresso. Mas em se tratando do que os
políticos brasileiros pensam sobre comércio exterior, não há diferenças
ideológicas acentuadas entre os partidos políticos. Em termos de comércio
exterior, os partidos políticos brasileiros defendem certo nacionalismo na
produção. Não há defesa da globalização entre os principais líderes políticos
no Brasil e nunca houve de forma significativa um político brasileiro
defendendo a abertura comercial como benéfica para o país. Governos
brasileiros, em geral, de todas as nuances ideológicas, falam em aumentar a
produtividade brasileira, e chegam até a reconhecer as importações como
importante fator para isso, mas não passam muito do discurso. Normalmente, no Brasil espera-se benesses do comércio
exterior, sem que o país faça a sua parte para alavancar o comércio global. E
os partidos políticos brasileiros são muito idênticos, não só em questões
econômicas, o que é ruim para a
democracia.
Hoje em dia as vozes contra a globalização
estão dos dois lados do espectro político em boa parte dos países. No mundo
acadêmico, a defesa da globalização ficou restrita a defensores do livre
comércio que seguramente são uma minoria nas universidades do mundo. E aqueles
que atacam a globalização falam não só em questões econômicas, mas também em
questões sociais, por conta do avanço de organizações como a Organizações das
Nações Unidas (ONU) e União Europeia na legislação dos países, procurando aprovar
medidas de forma global que têm amplo impacto cultural, social e até religioso.
Mesmo organizações que foram formadas estritamente para lidar com questões
econômicas, como o grupo de países G20, estão com uma agenda social ampla, que
por vezes atrapalham ou atrasam as negociações comerciais.
Não quero dizer com isso que as
negociações comerciais sejam mais importantes do que a agenda social. Eu
defendo justamente o contrário, mas não estou certo de que todas as questões
sociais sejam mais bem resolvidas globalmente do que localmente. Também não
defendo que questões econômicas se isolem de questões sociais, aqui argumento também
justamente pelo o contrário. Mas se é para tratar de questões sociais dentro de
questões econômicas a formação dos debatedores deve ser diferente.
Como é possível prever o comércio exterior
nessas circunstâncias de fraqueza das vantagens comparativas e críticas
generalizadas à globalização?
Chamado no Brasil de Paiaçu (grande pai), o filósofo, religioso, escritor e diplomata
português Padre Antonio Vieira, em seu livro História do Futuro, disse que o
homem, sendo filho do tempo, do presente sabe pouco, do passado menos e do
futuro nada[6].
Essa percepção de Vieira já deveria servir de alerta para todos que analisam o
futuro em análises de perspectivas, sejam com base nas informações do presente
ou nas do passado. Aqui tratamos das perspectivas do comércio exterior do
Brasil tentando lembrar a humildade exigida por Vieira.
É fato reconhecido que economistas e
organizações internacionais têm péssima reputação em matéria de previsão
econômica, especialmente quando se pensa em termos de crise econômica. Em relação
à crise econômica de 2008, por exemplo, conta-se nos dedos das mãos os economistas
que a previram[7].
Tempos de desordem e caos econômico são períodos em que a análise econômica
tende a errar mais, e, paradoxalmente, são nesses períodos que economistas e organizações
econômicas são mais necessárias e relevantes. Mas, mesmo em tempos de calmaria,
não confie muito em um economista sobre, por exemplo, qual será a taxa de
câmbio de final de ano ou qual companhia será mais valorizada nas bolsas de
valores. Se ele for do governo certamente será limitado por questões políticas,
se ele for de banco será limitado pelo portfólio de investimentos do banco.
Loungani[8], economista do Fundo
Monetário Internacional (FMI), tratou da capacidade preditiva dos economistas.
E relatou que apenas 2 das 60 recessões que ocorreram no mundo desde os anos 90
foram previstas. E que dois meses antes de cada recessão começar, 25% das
previsões ainda eram de crescimento econômico para o país em questão. Além
disso, as previsões eram mais otimistas do que a recessão em 50 dos 60 casos. Alan
Greenspan, presidente do Federal Reserve, disse em agosto de 2000, um mês antes
da recessão econômica provocada pela “bolha tecnológica”, que aqueles que acham
que os Estados Unidos estavam com perda de dinamismo econômico verão que estão
errados. Após a crise de 2008, Ahir e Loungani[9] também discutiram a
capacidade de previsão dos economistas. Eles consideraram 77 países, dos quais
49 estavam em recessão em 2009. Quantos economistas de três importantes fontes
(Consensus Economics, FMI e OECD) em 2008 previram que esses 49 países estariam
em recessão em 2009, segundo esses autores? Resposta: nenhum.
Em 2013, Greenspan, reconheceu que ele
sempre foi muito mais matemático do que psicólogo, mas que usando matemática e
modelos econométricos, mesmo os mais avançados, não se consegue prever de forma
adequada as variáveis econômicas. Para ele dever-se-ia incorporar fatores
psicológicos, como euforia, irracionalidade, instintos, medos e emoções[10]. Em 2014, escrevendo para a revista Foreign Affairs, Greenspan novamente pôs
a culpa na irracionalidade para explicar a falta de poder de previsibilidade
dos modelos econômicos[11].
Essa irracionalidade não é apenas de
investidores, mas dos próprios economistas e políticos. Por exemplo, o Brasil
viu de perto a volatilidade irracional das previsões dos economistas, em
pequeno espaço de tempo. De 2009 até 2012, o mundo econômico e político achava
que países como Brasil e China seriam os novos líderes da economia global. Eu
mesmo tive a oportunidade de participar de reuniões do G20, uma organização global que
reúne as maiores economias do mundo, em 2008, e o que se falava repetidamente é
que havia um “descolamento” de Brasil e China da grande crise financeira que o
mundo desenvolvido atravessava. A partir de 2013, o Brasil entrou em decadência
nas considerações dos analistas, até ser o patinho feio, apresentando o pior
crescimento econômico entre as principais economias globais entre 2014 e 2016.
A China também sofre com queda do crescimento e elevado endividamento. Se é
assim, em tão pouco tempo, como se pode prever um futuro mais longínquo?
Temos ainda o velho problema da falta de
confiança nas informações econômicas que vêm da China. Por vezes, os próprios
estatísticos do governo chinês admitem que alguns dados econômicos são
fraudulentos e falsificados[12]. Em 2015, pesquisa mostrou que 96% dos
economistas dos Estados Unidos não confiam nos dados do PIB chinês[13]. Em 2017, uma província
chinesa admitiu criar números para que seus administradores aparecessem bem na
foto, melhorando os dados fiscais em 20%, por exemplo[14]. O próprio Li Keqiang,
primeiro-ministro da China, admitiu que o PIB da China é manipulado e assim não
é confiável[15].
Em geral, as justificativas para erros de
previsão são de que os economistas e organizações não consideram fatores
relevantes ou riscos relacionados em suas análises. Acho, no entanto, que é
importante inicialmente considerar restrições burocráticas, justificativas que
não são filosóficas, ideológicas ou sistêmicas, para os erros de previsão dos
economistas. Quatro justificativas burocráticas podem ser relacionadas a quatro
tipos de economistas, diferenciados pela instituição em que trabalham:
a)
Economistas
de organizações econômicas internacionais sofrem o peso político dessas
organizações, e não têm tanta liberdade para estabelecer suas previsões.
Afinal, quem financia e controla essas instituições, como FMI, Banco Mundial,
Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Conferência das Nações Unidas para o
Comércio (UNCTAD), são os próprios países;
b)
Economistas
de órgãos públicos além de sofrerem o peso político dos líderes em voga, também
tendem a considerar que o Estado têm muitas ferramentas para evitar uma
recessão. Essa visão também muitas vezes é compartilhada por economistas do
mercado, que em geral consideram, por exemplo, que os governos chinês ou
norte-americano sempre conseguem evitar recessões.
c)
Economistas
de instituições financeiras ou de agências de risco sofrem o peso das
aplicações financeiras de suas instituições. Elas têm dinheiro alocado para
determinado futuro.
d)
Economistas
de universidades sofrem pela falta de experiência no mercado e em governos.
Além dessas justificativas práticas, temos
falhas da modelagem econômica, que i) ou não consideram variáveis relevantes, que
por vezes não são passíveis de serem calculadas; ii) ou reproduzem demais o
passado; iii) ou não consideram o recorrente relacionamento corrupto entre
Estado e mercado; iv) ou determinam previsões distorcidas pela ideologia política e cultural de quem
modela.
4 comentários:
POUCO ENTENDO DISSO, mas no 2.2, bom que o Brasil e outros idem nasceram para ser eternos fornecedores de commodities.
Aos 2.3.1/2 responderia que sem pobres, de como ficariam os ricos querendo enriquecer-se usando os outros e pagando o mínimo seria o objetivo, deixando-os apenas com as migalhas que lhes sobram para assim permanecerem no atraso?
Ao 2.3.3, entrando novos Trump e caindo as esquerdas, como no presente, poderia haver retrocesso.
Bom que tenha achado interessante, meu caro.
Grande abraço,
Pedro Erik
Boa noite, Pedro!
Muito interessante o trecho. Me fez pensar - além de outras coisas - sobre como as conclusões científicas de hoje são contaminadas por "conveniências" e perdem seu norte legítimo, que deveria ser a Verdade.
Grande abraço,
Jonas
Exato, amigo. Eristica já se apodera da ciência.
Abraço,
Pedro
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