O espetacular filme francês "Of Gods and Men" (Dos Homens e dos Deuses) fala dessa história incrível. O filme, do diretor Xavier Beauvois, levou o Grande Prêmio do festival de Cannes de 2010, além de vários outros prêmios. Vejam o trailler abaixo:
Aqui vai uma análise do filme do jornal inglês The Guardian.
Todos os monges eram franceses: Dom Christian de Chergé, Irmão Luc Dochier (que era médico), Padre Christophe Lebreton, Irmão Michel Fleury, Padre Bruno Lemarchand, Padre Célestin Ringeard, e Irmão Paul Favre-Miville.
O blog Aggie Catholics divulgou um comentário do grande Padre Robert Barron sobre o filme. Padre Barron começa falando de forma geral dizendo que o século XX foi aquele que mais cristãos foram mortos por causa de sua fé. Mais cristãos foram mortos no século XX do que todos os outros séculos somados. Robert Loyal tem um livro sobre isso, comprem.
Depois padre Barron fala de uma cena do filme que ocorreu em 1993, quando um grupo de extremistas que já tinha matado vários padres foi no monastério na véspera de Natal e eles tiveram um debate, no qual os monges mostraram ao líder do grupo que ali era uma casa de paz. O grupo foi embora e não os matou. Em seguida, padre Barron fala da principal cena do filme, destacada tanto por Barron como pelo The Guardian, que trata do debate que os padres trapistas tiveram na mesa sobre ir ou sair, em que de foram unânimes em decidir ficar. Depois, Barron fala da "liberdade do desapego" (freedom of detachment), desapego com relação ao mundo e apego a Deus. No final, padre Barron explica que o título do filme vem do Salmo 82. O Salmo é sobre Deus falando àqueles que se dizem deuses, aos falsos deuses. Padre Barron, como sempre, sensacional! Vejam abaixo:
Assitam e comprem o filme. O padre Armand Veilleux, quando não se tinha achado os corpos dos monges, escreveu um texto em abril de 1996, sobre o seuqestro dos monges. O texto está disponível na internet em inglês, mas eu achei uma tradução. Ajuda a entender a situação dos monges na época. Aqui vai parte do texto:
O seqüestro dos sete monges trapistas de Atlas
O desdobramento de uma tragédia
Armand Veilleux, OCSO, Argélia, 9 de abril de 1996.
A noite de Natal de 1993 foi um momento decisivo para a Comunidade de Notre Dame de Atlas em Tibhirine, e acima de tudo, de grande intensidade espiritual. Vamos primeiro examinar o contexto. No início do ano de 1992, a interrupção do processo eleitoral conduziu a Argélia a uma situação muito instável, com a supressão do FIS como partido político, a prisão de seus líderes e, depois, a formação de vários grupos armados, em particular o GIA. Em 14 de dezembro de 1993, doze católicos croatas, conhecidos dos monges, tinham tido suas gargantas cortadas em Tamesguida, poucos quilômetros distante do mosteiro.
Foi neste contexto que, poucos dias depois, na noite de 24 de dezembro de 1993, após a refeição da noite, um grupo de seis islâmicos se apresentou no mosteiro. O seu líder, Emir Sayah Attiya, era conhecido como terrorista de indubitável violência. Tinha sido o responsável pela morte dos croatas e, de acordo com as forças de segurança, havia cortado as gargantas de 145 pessoas. Sua conversa com Padre Christian, Superior da comunidade em Tibhirine, foi extraordinária. Padre Christian, apelando para o Corão, disse-lhe que o mosteiro era um lugar de oração onde nunca haviam entrado armas e pediu que a conversa tivesse lugar fora do mosteiro. Attiya concordou com isto. Apresentou aos monges, como "religioso" ele próprio e seu grupo de islâmicos, três exigências de cooperação. Para cada uma, Christian respondia que não era possível; cada vez ele dizia: "você não tem escolha"; cada vez Christian respondia: "sim, nós temos uma escolha". Ele partiu dizendo que enviaria seus emissários com uma senha. Quando estava partindo, Christian disse: "Você veio aqui armado justo quando nos preparamos para celebrar o Natal, a festa do Príncipe da Paz". Ele respondeu: "Desculpe-me, eu não sabia."
O milagre foi não só que Sayah Attiya partiu naquela noite sem cortar as gargantas dos monges e sem brutalizá-los, mas que ele não voltou, nem mandou seus emissários.
Quando depois, a administração argelina desejou impor uma proteção militar armada ao mosteiro, a comunidade recusou peremptoriamente esta proteção, usando o mesmo argumento: armas não têm lugar num lugar de oração e de paz.
Durante os dois anos seguintes, onze religiosos da diocese de Algiers foram assassinados, em cinco ataques diferentes: Henri Vergés, irmão marista, e Ir. Paule-Hélène, Irmãzinha da Assunção, em maio de 1994; Irmãs Caridad e Ester, agostinianas espanholas, em outubro de 1994; os quatro Padres Brancos de Tizi Ouzou em dezembro do mesmo ano; Irmãs Bibiane e Angèle-Marie das Irmãs de Nossa Senhora dos Apóstolos em setembro de 1995, e Irmã Odette em 10 de novembro. Cada vez os monges de Tibhirine se perguntavam a mesma questão: deveriam deixar o lugar ou aí permanecer?
Cada vez decidiram-se a ficar. Cada vez, foi uma decisão tomada após oração e diálogo; uma decisão que foi lúcida, corajosa, serena e unânime. Nenhum deles "desejava" o martírio. Christian, falando a um grupo de leigos pouco antes de seu seqüestro, dizia que tal desejo seria um pecado uma vez que seria desejar que um "irmão terrorista" deveria pecar contra o mandamento divino "não matarás". Sua oração diária durante os últimos meses tinha sido: "Senhor, desarme-me, e desarme-os".
Por que eles ficariam? - Simplesmente por fidelidade à sua vocação de ser uma humilde presença cristã contemplativa no solo argelino, uma vez que a Igreja tem o direito e o dever de estar presente em todas as situações excepcionais, assim como nas circunstâncias normais. Fidelidade também a todos os argelinos com quem tinham estabelecido laços de solidariedade e de amizade por um período de mais de sessenta anos. Acima de tudo, fidelidade ao povo em torno deles que parecia protegido de todos os tipos de violência, tanto de um partido quanto de outro, pela total neutralidade dos monges.
Tive a ocasião de visitá-los em janeiro de 1996, dois meses antes do seqüestro. O que me chocou foi sua serenidade. Não desempenhavam o papel de heróis; alguns deles não escondiam um certo temor. O que sempre os "salvava" nesta situação tinha sido continuar a viver uma vida monástica completamente normal, com seu equilíbrio de trabalho manual, leitura da Palavra de Deus e o Ofício Divino.
O mosteiro de Tibhirine se tornou, durante os anos, um lugar de diálogo cristão-muçulmano. Este era o fruto de uma evolução natural, e não de um ação planejada. Por um lado, o mosteiro é um lugar de oração, e por outro lado, os monges tinham sido sempre muito respeitosos do povo, da cultura e da religião locais. Um grupo de muçulmanos profundamente religiosos gradualmente começou a frequentar o mosteiro. Em resultado disto, um grupo de diálogo cristão-muçulmano, o Ribat (uma palavra árabe que significa "ligação") se formou, e se encontrava regularmente no mosteiro para oração e discussão.
Outro membro da comunidade cuja presença e personalidade marcaram a história da comundiade é Irmão Luc, um médico de profissão, com 82 anos na data de seu sequestro, que já tinha sido refém por um tempo do FLN, durante a guerra da Independência da Argélia. Membro do mosteiro de Tibhirine desde 1946, tornou-se uma verdadeira lenda na região. Sem nunca adotar qualquer causa política, sem se comprometer com facção alguma, e sem ir tratar dos feridos de qualquer facção fora do mosteiro, nunca se recusava a tratar os doentes que vinham a ele no seu dispensário na porta do mosteiro, vendo em cada um um ser humano em necessidade, um ícone de Cristo. Quando escrevo estas linhas, os sete irmãos de N.S. de Atlas estão desaparecidos há duas semanas, e ainda não temos nenhuma notícia a respeito deles. Continuamos a esperar que possam todos retornar a nós vivos.
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