sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Francisco: A Igreja Sou Eu


Muito bem resumido o texto de Sandro Magister, pelo site The American Catholic, ao relacionar a frase de Luís XIV, que disse "O Estado Sou Eu"com o comportamento autocrático de Francisco, que parece dizer a todos: "A Igreja Sou Eu".

O caso em questão é que, assim como fez ao colocar a palavra "inadmissível" no Catecismo  para tratar sobre pena de morte, quando Francisco fez isso sem consultar a ninguém, nem mesmo o magistério dos  Doutores da Igreja (justificou apenas em si mesmo), Francisco decidiu que o sínodo envolve agora não apenas bispos, mas também leigos, uma mudança que ele fez sozinho e até contra a tradição da própria palavra tanto na Igreja Católica como nas Igrejas Cristãs Orientais.

Sandro Magister lembra uma afirmação do arcebispo argentino Victor Manuel Fernández que declarou, sem qualquer base apenas teológica, que Francisco tem "um carisma especial que ninguém tem", daí ele pode fazer o que quiser com a Igreja. Uma concepção sem qualquer fundamento e que amplia ao infinito a infalibilidade do papa, em contradição com o que a Doutrina da Igreja sobre os limites dos poderes de um papa.

Vou traduzir abaixo o texto de Sandro Magister:

Poder para o povo ou monarquia absoluta? As contradições de Francisco

Muita coisa está acontecendo que é contraditória na Igreja Católica. Por um lado, está a celebração de um sínodo sobre a sinodalidade, que alarga a participação na governação da Igreja muito além do papa e dos bispos, aos sacerdotes, religiosos e leigos, homens e mulheres. Mas, por outro lado, assiste-se a um exercício dos poderes papais, por parte de Francisco, mais autoritário e monocrata do que nunca.

Com uma inovação acrescida extemporânea, anunciada no dia 11 de setembro pelo novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, o argentino Victor Manuel Fernández, que, respondendo por escrito às perguntas de Edward Pentin para o “Catholic Register”, atribuiu a Francisco “um carisma particular para esta salvaguarda, um carisma único, que o Senhor deu apenas a Pedro e aos seus sucessores”, mas do qual ninguém tinha ouvido falar até agora.

Trata-se de “um dom vivo e ativo”, explicou Fernández, “que atua na pessoa do Santo Padre. Eu não tenho este carisma, nem você, nem o Cardeal Burke. Hoje só o Papa Francisco o tem. Agora, se você me disser que alguns bispos têm um dom especial do Espírito Santo para julgar a doutrina do Santo Padre, entraremos num círculo vicioso (onde qualquer um pode afirmar ter a verdadeira doutrina) e isso seria heresia e cisma. Lembre-se de que os hereges sempre pensam que conhecem a verdadeira doutrina da Igreja. Infelizmente, hoje, não só alguns progressistas caem neste erro, mas também, paradoxalmente, alguns grupos tradicionalistas.”

É difícil pensar numa extensão mais ampla da infalibilidade do papa em questões de fé, afirmada pelo Concílio Vaticano I dentro de limites extremamente rigorosos. E, de facto, o novo dogma inesperadamente expresso por Fernández foi imediatamente alvo de uma enxurrada de críticas.

As mais aprofundadas e contundentes vieram do campo conservador, no blog “Caminante Wanderer”, de um estudioso argentino anônimo e erudito.

Mas também do lado oposto, o “carisma” progressista, muito singular, do qual, segundo Fernández, só Francisco é dotado, foi rejeitado sem apelo, precisamente por ser incompatível com os limites da infalibilidade papal reiterados pelo Concílio Vaticano II na dogmática constituição “Lumen gentium”. Massimo Faggioli, professor de teologia na Universidade Villanova, escreveu sobre isso em “Commonweal”.

Permanece ainda mais incompreensível, portanto, é a contradição entre os ilimitados poderes monocráticos dos quais Francisco se considera cada vez mais investido de cima, completos com a marca do seu teólogo da corte, e a “democratização” contemporânea da Igreja que ele busca com a nova sinodalidade.

Também nesta nova forma de Sínodo ocorreu uma mudança de rumo com Francisco, no decorrer do seu pontificado.

Voltando ao Concílio Vaticano II, na “Lumen gentium”, a constituição dogmática do Vaticano II expressamente dedicada à Igreja, a palavra “sínodo” ocorre apenas uma vez e é sinônimo da palavra “concílio”, que reúne exclusivamente o papa e os bispos.

Embora nos raros documentos pontifícios das décadas seguintes em que ocorre a palavra “sinodalidade”, ela se refere à forma como esta é praticada nas Igrejas Ortodoxas, ou seja, ao colégio de bispos reunidos com o seu patriarca ou arcebispo maior para exercer autoridade hierárquica sobre a respectiva Igreja.

Peter Anderson, um estudioso de Seattle que é um observador atento do que se passa nas Igrejas Orientais e envia a este respeito os relatórios factuais mais detalhados e bem documentados, constatou que desde o Concílio até ao final de 2013 houve apenas doze ocorrências da palavra “sinodalidade”: seis com João Paulo II, duas com Bento XVI e quatro com Francisco.

Disto se pode deduzir que, ainda durante o primeiro ano após a sua eleição como papa, Francisco não estava de forma alguma inclinado, pelo menos nas suas declarações públicas, a uma “democratização” dos sínodos.

A primeira vez que falou sobre “sinodalidade” foi em 28 de junho de 2013, dirigindo-se à delegação do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla. E referia-se à “reflexão da Igreja Católica sobre a colegialidade episcopal”, pela qual era uma boa ideia “aprender” com a “tradição de sinodalidade tão típica das Igrejas Ortodoxas”.

A segunda vez foi na homilia do dia seguinte, festa dos santos Pedro e Paulo, para expressar a esperança de “harmonia” entre o sínodo dos bispos e o primado do papa.

A terceira vez foi na entrevista de setembro de 2013 com o diretor de “La Civiltà Cattolica”, Antonio Spadaro. Ali, pela primeira vez, ele lançou a ideia de que “talvez seja hora de mudar a metodologia do Sínodo, porque o atual me parece estático”. Mas repetir imediatamente que é “dos nossos irmãos ortodoxos” que “podemos aprender mais sobre o significado da colegialidade episcopal e da tradição da sinodalidade”.

A quarta vez foi na exortação apostólica “Evangelii gaudium” de 24 de novembro de 2013, documento que marcou a agenda do seu pontificado, onde, no entanto, novamente se limitou a dizer que “no diálogo com os nossos irmãos e irmãs ortodoxos, nós, católicos, temos o oportunidade de aprender mais sobre o significado da colegialidade episcopal e sua experiência de sinodalidade”.

Mas isso foi apenas o começo. Nos anos que se seguiram, para Francisco foi todo um crescendo de anúncios e decisões que levaram à atual mutação da forma do Sínodo, agora tão distante do modelo centenário ainda em uso nas Igrejas Orientais que ate fez com essas Igrejas Orientais protestassem.

Ao dar poder ao “povo de Deus”, isto é, ao estender a participação nos sínodos, com direito de voto, também aos batizados comuns, Francisco certamente realizou uma inovação abrangente.

Mas mais uma vez em completa contradição. Porque não foi um sínodo que decidiu a mudança, como diria o novo rumo “popular”, mas ele sozinho, o papa.

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