sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Por Que a Ciência Acabou no Mundo Muçulmano? (Parte 3)

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Vamos finalmente para a Parte 3 do texto de Hillel Afek sobre a ciência no mundo muçulmano do século 7 até o século 13. Acima, um dos livros recomendados por ele sobre o assunto.

Nesta última parte, Afek vai tratar do declínio da pesquisa científica no mundo muçulmano. Como eu falei, na primeira parte, toda civilização, com exceção do Ocidente, teve em algum momento da história uma época de ouro científica que depois declinou. Então, o declínio da ciência no mundo muçulmano não é atípico, mas esta queda tem características diferentes.

O fator mais importante para o declínio da ciência no mundo muçulmano foi a fragmentação do império, em 1236 os espanhóis reconquistaram Córdoba e em 1248, Sevilha. Em 1258, os mongóis destruíram totalmente o reino Abbasid. Mas a queda na pesquisa científica iniciou antes da fragmentação do império. O declínio iniciou com o crescimento da escola anti-filosófica Ash'arism dos muçulmanos sunitas, que são a maioria muçulmana no mundo.

Afek começa sua explicação com o califado de al-Mamum, que era um grande incentivador das traduções dos textos gregos para o árabe, neste sentido, um grande eincentivador das ciências. Al-Mamum estabeleceu o Mu'tzalismo que usava o racionalismo grego, especialmente aristotélico, e procurava diminuir o poder dos clérigos tradicionalistas,. Ele estabeleceu um tipo de inquisição, aquele que não seguisse o Mu'tzalismo era punido com açoites, prisão e decapitação. Mas os califas que sucederam al-Mamum eram menos fervorosos no racionalismo e dentro de poucas décadas o Mu'tzalismo acabou. Já em 885, 50 anos depois da morte de al-Mamum, se tornou crime copiar livros de filosofia. Estava iniciado o de-helenismo (eliminação da influência grega no mundo muçulmano) que foi totalmente completado no final do século 12.

Em seu lugar, surgiu a escola Ash'ari. Os Mu'tzalitas acreditavam que o Corão foi criado e que Deus desejava que os homens o interpretassem usando a razão. Os Ash'ari acreditavam literalmente no Corão e que ele não poderia ser alterado. No centro da idéia do Ash'arismo está o ocasionalismo, doutrina que nega a causalidade natural, isto é, a necessidade natural não pode existir pois o desejo de Deus é completamente livre, então todos os eventos do mundo são determinados por Deus. Deus não é limitado pela razão. O mundo natural não pode ser conhecido pelo homem, ele reflete apenas a vontade de Deus.

O mais importante teólogo do Ash'arismo foi Abu Hamid al-Ghazali (morto em 1111). Ele atacou todos os filósofos como Avicenna e al-Farabi, pois tinha receio que os muçulmanos confiassem nos filósofos nas questões religiosas. Ele argumentou que a razão era inimiga da religião, incompatível com o islamismo.

O Ash'arismo é dominante até os dias de hoje.

Depois da discussão entre Mu'tzalismo e Ash-arismo, Ofek parte para explicar porque a ciência sempre teve como se disseminar no Ocidente e não no mundo muçulmano.

Não vou resumir essa parte porque não é o foco deste post, mas a resposta dele é baseada em uma simples coisa: religião. O reino de Cristo não é deste mundo, o do Maomé é. Vejam o que ele diz (traduzo em azul): 

As a way of articulating questions that lie deeper than the Ash’arism-Mu’tazilism debate, it is helpful to briefly compare Islam with Christianity. Christianity acknowledges a private-public distinction and (theoretically, at least) allows adherents the liberty to decide much about their social and political lives. Islam, on the other hand, denies any private-public distinction and includes laws regulating the most minute details of private life. Put another way, Islam does not acknowledge any difference between religious and political ends: it is a religion that specifies political rules for the community.

Such differences between the two faiths can be traced to the differences between their prophets. While Christ was an outsider of the state who ruled no one, and while Christianity did not become a state religion until centuries after Christ’s birth, Mohammed was not only a prophet but also a chief magistrate, a political leader who conquered and governed a religious community he founded.

(Como uma maneira de articular questões que são mais profundas que o debate entre Ash'arismo e Mu'tzalimso, é importante comparar o Islã com o Cristianismo. O Cristianismo reconhece uma distinção público-privada e (teoricamente, pelo menos) permite ao aderente a liberdade de decidir sobre suas vidas sociais e políticas. O Islã, por outro lado, nega qualquer distinção público-privada e inclui leis regulando os primeiros minutos da vida privada. Colocando de outra forma, o Islã não reconhece qualquer diferença entre religião e fins políticos: é a religião que especifica as regras políticas para a comunidade.

Tais diferenças entre as duas fés podem ser traçadas nos seus profetas. Enquanto Cristo era um outsider do estado que não governou nada, e enquanto o Cristianismo não se tornou um estado religioso até séculos depois da morte de Cristo, Maomé não foi apenas um profeta, mas juiz e líder político que conquistou e governou a comunidade religiosa que ele fundou)

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Leiam todo o texto de Ofek, é muito bom e há ótimas recomendações de livros.

Um comentário:

Unknown disse...

Nossa... Perfeito !!!