Ainda não recebi os dois últimos textos de Fuentecalada, mas essa parte da Guerra Civil é a mais assustadora do desastre comunista na Catalunha. O relato dele é impressionante. Essa freira da foto acima carbonizada na Catalunha revela bem como o diabo andava solto por lá na Guerra Civil. E isso ainda tem muito efeito nos dias de hoje, basta ver a última foto do texto de Fuentecalada.
Para aqueles que não leram sobre a formação histórica da Catalunha, cliquem aqui.
Aqui vai a parte 2, de quatro partes, sobre a Catalunha, que pedi para o Fuentecalada escrever para o blog. Vocês verão que ele sabe tudo sobre o assunto. Não encontrarão esse texto nos jornais ou revistas. É texto para leigos e historiadores.
Quem tem um amigo que escreve um texto desse não morre ignorante.
Aqui vai a parte 2:
República
Catalã” de 1934 e Guerra Civil (1936-1939).
Autor: Fuentecalada
Autor: Fuentecalada
O rei Alfonso XIII,
sentado, ouve pronunciamento do General Miguel Primo de Rivera.
Em meados de setembro de 1923, o
então comandante geral do exército na região da Catalunha, General Miguel Primo
de Rivera, em meio à escalada de atos terroristas, greves e ações violentas
conduzidas por anarquistas, além de arruaças promovidas pelas alas radicais do
“nacionalismo catalão”, iniciou um levante militar com o apoio da tradicional
milícia parapolicial catalã, a somaten.
O rei não se opôs ao golpe militar e nomeou Primo de Rivera chefe de governo. O
período de governo de Primo de Rivera duraria até 1930 e contou com enfático
apoio da Lliga Regionalista catalã,
especialmente por Rivera haver restaurado as tarifas protecionistas que
restringiam a entrada de produtos importados, mantinham os preços elevados e o
controle do mercado espanhol pela indústria catalã. Em fevereiro de 1930, o rei
nomeia chefe de governo o general Dámaso Berenguer com o propósito de “restabelecer a
normalidade constitucional”. Em dezembro, o novo governo conseguiu sufocar um
levante armado de republicanos e socialistas, organizado por um “comitê
revolucionário” chefiado por Alcalá Zamora. Nas eleições de abril de 1931, os partidos
republicanos-socialistas venceram em 41 das 50 capitais, apesar de serem
derrotados nas zonas rurais. O resultado animou o ressurgimento público do “comitê
revolucionário” que, dois dias depois, proclamou a República e se investiu em
poderes de “governo provisório”. Sem apoio, o rei partiu para o exílio.
Para entender melhor o quadro
político atual na Espanha, deve-se considerar que, além dos mais conhecidos
partidos políticos Partido Popular
(PP), Partido Socialista Obrero Español
(PSOE) e a recente articulação esquerdista Podemos,
há uma variação de denominações e identidades partidárias locais.
Na região da Catalunha,
a Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) apresenta-se como a
continuidade do partido de mesmo nome que surgiu em 1931 pela fusão de diversas
correntes independentistas e que sucedeu a Lliga
Catalana no controle do governo local. Com a derrocada da monarquia
espanhola e o advento da chamada Segunda República, a ERC de 1931, partido de
intelectuais e de pouca penetração nos meios sindicais, “proclamou a República
Catalana”. Francesc Macià é escolhido “por aclamação” como presidente, ato que
se seguiu da “abertura de negociações” com o governo provisório republicano de
Madrid, chefiado por Alcalá Zamora, e resultou na aprovação do “Estatuto de
Autonomia”, em controverso referendo conduzido pelos dirigentes da então
restabelecida “Generalitat”,
controlada pela ERC, com percentual “soviético” de 99% dos votos. O “Estatuto”
estabelecia o catalão como única língua oficial, vedava o acesso a cargos
públicos aos demais cidadãos da Espanha, impunha tarifas protecionistas e
indicava um projeto supremacista de incorporação de territórios circunvizinhos,
o que gerou forte oposição parlamentar do Partido
Agrario Español e da Comunión
Tradicionalista Carlista, em minoria, e massivos protestos
antiseparatistas.
Manifestação contrária
ao “Estatuto” (1932). Mondial
Photo-Presse.
Biblioteca Nacional da
França.
No embalo que se seguiu à
frustrada tentativa de golpe militar chefiada pelo General Sanjurjo, em agosto
de 1932, o parlamento espanhol aprovou a lei de reforma agrária e uma versão
mitigada do “Estatuto de Autonomia”, reduzido de 52 para 18 artigos, retirando
o poder de tributação direta e assegurando a igualdade de direitos para os
espanhóis de todas as regiões (Estos no
tendrán nunca en Cataluña menos derechos que los que tengan los catalanes en el
resto del territorio de la República – art. 3º, in
fine), mas declarando o
caráter bilíngüe da região, considerados idiomas oficiais o catalão e o
castelhano.
Entretanto, a região passaria a
dispor de um governo e um parlamento próprios, aptos a legislar sobre direito
civil e ordem pública, decidir a respeito de obras de interesse local,
controlar o ensino primário e secundário e a possibilidade de criar escolas e
institutos, além de uma Universidade própria.
As eleições realizadas em
seguida, novembro de 1932, com voto em lista partidária, sistema majoritário e
exclusão do voto feminino, asseguraram a hegemonia da ERC para um mandato de
cinco anos.
No mesmo período, sob a direta
coordenação da Internacional Comunista e da seção do partido sediada em Madrid,
reorganiza-se o Partido Comunista da Catalunha (PCC), que houvera se
fragmentado em razão das contínuas dissensões internas. O PCC apresenta o
seguinte programa político: denúncia do “caráter burguês e
contra-revolucionário” do governo republicano espanhol, rejeição do “Estatuto”
e de todas as demais agremiações esquerdistas e, por fim, preconiza a
“libertação da Catalunha”.
Porém, o agrupamento
revolucionário mais vigoroso, especialmente na região da Catalunha, era
constituído pelos anarco-sindicalistas organizados na CNT – Confederación Nacional del Trabajo – España
e na FAI -Federación Anarquista Ibérica,
que organizariam três tentativas de levante revolucionário entre 1932 e 1934.
As eleições seguintes, em novembro de 1933, conduziram ao governo central a coalizão de centro-direita formada pelo Partido Republicano Radical e a Confederación Española de Derechas Autonómas (CEDA), o que foi respondido por Lluís Companys, em editorial no jornal La Humanitat, órgão oficial da ERC, com uma literal declaração de guerra ao novo governo, ainda não empossado.
As eleições seguintes, em novembro de 1933, conduziram ao governo central a coalizão de centro-direita formada pelo Partido Republicano Radical e a Confederación Española de Derechas Autonómas (CEDA), o que foi respondido por Lluís Companys, em editorial no jornal La Humanitat, órgão oficial da ERC, com uma literal declaração de guerra ao novo governo, ainda não empossado.
Pesi a qui pesi, el defensarem fins a l'última hora, fins
a la darrera gota de sang, fins al gest suprem de matar i de morir.
Companys, entre junho e setembro, exercera o cargo de Ministro da Marinha no gabinete do maçom Manoel Azaña, autor de célebre discurso em que pronunciara a frase triunfante: “España paró de ser católica”, afirmando, então, que tivera início uma nova fase na história do povo espanhol.
No Natal de 1933, Francesc Macià
morre de apendicite, sendo sucedido na presidência da Generalitat por Lluís Companys, que deu seguimento a política de
ultranacionalismo catalão, associado ao populismo esquerdista. Curiosamente, o
cadáver de Macià torna-se alvo de “homenagens” bizarras, como a realização de
ritos maçônicos que implicaram a retirada do coração e o posterior
desaparecimento do corpo de sua tumba, substituído pelo de um desconhecido.
Em outubro de 1934, em
consonância com a celebração da revolução soviética de 1917, inflamada pela
esquerda comunista e sob a liderança de Largo Caballero, secretário-geral da Unión Geral de los Trabajadores (UGT),
controlada pelo PSOE, associada à convocação de uma “greve geral
revolucionária”, eclode uma tentativa de golpe armado no norte da Espanha.
Llargo Caballero, que chefiava o PSOE e fôra ministro de Estado no governo de
Alcalá Zamora, passaria a ser identificado pela propaganda comunista como “o
Lênin espanhol”, até que o partido, no futuro, venha a se livrar dele.
Simultaneamente, estoura a
sublevação em Barcelona, liderada por Companys, que secretamente impulsionara o
alistamento de milícias nacionalistas paramilitares, uniformizados com camisas
verde-oliva, los escamots. Companys
proclamou a criação do “estado catalão dentro de uma república federalista
espanhola”, mas não contou com o apoio da CNT, que mantinha choques de rua
freqüentes com os escamots,
acusando-os de serem uma “milícia fascista”. Apesar de estarem em maior número,
o golpe foi sufocado pelos militares, resultando em 107 mortos em apenas uma
noite e Companys ficou sujeito a ser condenado à morte por liderar o levante
armado, sendo suspenso o “Estatuto”.
Seguiu-se uma campanha
“humanitária” para obter o perdão para Companys, endossada por diversas
personalidades catalães, sendo o monsenhor Manuel Irurita, bispo de Barcelona,
um dos primeiros signatários do pedido de clemência. Dois anos depois, o bispo
seria fuzilado pelas milícias revolucionárias que Companys, de volta ao poder,
havia legalizado para “combater o fascismo”.
A insólita coalizão entre Radicales, anticlericais, e a CEDA,
predominantemente composta por agremiações católicas e que era o partido
majoritário no parlamento espanhol, desmoronou ao final de 1935, envolvida em
recorrentes denúncias de escândalos de corrupção. Foram convocadas novas
eleições para 1936, que resultaram na vitória, por escassa margem, da coalizão
centro-esquerdista Frente Popular.
Seguiram-se, de imediato, denúncias de fraudes escandalosas nas atas eleitorais
e na recontagem dos votos, o que viria a ser comprovado posteriormente, fatos
que passaram a ser conhecidos como “el
‘pucherazo’ del 36” (Manuel Álvarez Tardío y Roberto Villa García
in ‘Fraude y Violencia en las elecciones del Frente Popular’. S.
L. U Espasa Libros: 2017).
O programa da Frente Popular
prometia a anistia ampla, geral e irrestrita de todos os condenados pela
insurreição revolucionária socialista de 1934, o que foi colocado em prática
tão logo empossado o novo governo. Companys, ainda preso, foi eleito deputado e
saiu da cadeia para reassumir a presidência da Generalitat.
Em reação à progressiva
radicalização do governo da Frente Popular e ao bárbaro assassinato do
combativo deputado e líder monarquista Calvo Sotelo, retirado durante a
madrugada de sua residência por membros da Guardia
de Asalto e pistoleiros socialistas, sendo executado a tiros ainda no
interior da viatura, teve início o levante contra-revolucionário do Exército
espanhol e a Guerra Civil (1936-1939). Naquele dia, no decorrer dos debates
parlamentares, a deputada comunista Dolores Ibaburrí, la Pasionaria, havia proferido as seguintes palavras: "Este
hombre ha hablado por última vez”. E dirigindo-se
diretamente a Calvo Sotelo: “Este es tu
último discurso". A sentença de morte seria
friamente executada antes que raiasse o dia e o corpo lançado na entrada de um
cemitério distante.
Companys não podia contar apenas
com suas milícias paramilitares e para enfrentar o levante militar na
Catalunha, organizou um “Comitê de Milícias Antifascistas” e distribuiu armas
aos anarco-sindicalistas da CNT, com os quais estabelecera laços na juventude,
ao atuar como advogado de agitadores e pistoleiros anarquistas.
As milícias anarquistas e os demais
grupos revolucionários assumiram o comando da “luta antifascista” e tomaram o
poder de fato na Catalunha, dando imediatamente início a um programa de
expropriação de empresas, ocupações, saques, seqüestro de contas bancárias,
coletivização do campo e execuções sumárias. Progressivamente, os comunistas,
agora agrupados no Partido Socialista
Unificado de Cataluña (PSUC), sob ordens diretas de Moscou e do Partido Comunista Español (PCE), iriam
assumindo o controle da situação e logo tratariam de ajustar velhas contas com
seus rivais da CNT e do Partido Obrero de
Unificación Marxista (POUM), antiga dissidência do PCC e resultado dos
rachas sucessivos e da luta feroz pela supremacia nos meios revolucionários.
Conquanto
alguns historiadores o vejam com simpatia, atribuindo a Companys o papel assemelhado
ao de um mediador moderado entre os diversos partidos e agrupamentos
extremistas atuantes na região, inegavelmente foi sob seu governo que foi
proibido o culto católico e ocorreu a maior perseguição religiosa na história
da região da Catalunha, na qual foram assassinados quatro bispos e 1.536
sacerdotes, o equivalente a 30% do clero catalão, além de freiras e leigos.
Foram profanados, saqueados e destruídos sete mil edifícios religiosos (catedrais
e igrejas centenárias, mosteiros, conventos, escolas, colégios, escritórios,
arquivos, bibliotecas – ver, dentre outros, Rodolf Puigdollers Noblom in “La
Sagrada Familia De Barcelona. Quan Les Pedres Criden”. Centre Pastoral
Liturgica. 10ª Edição. 2014) e criados campos de concentração e câmaras de
aprisionamento e tortura, conhecidas como chekas.
Há registro de, pelo menos, 8.148 execuções de prisioneiros, dezenas
autorizadas formalmente por Companys, em sua maioria sem qualquer julgamento.
Uma das sentenças de morte
assinadas por Companys.
Dentre os prisioneiros
executados figura o general Francisco Jiménez Arenas, que assumira interinamente a presidência da Generalitat, após a prisão de Companys
em 1934. Para dar ares de legalidade a essa execução, Jiménez Arenas fui
submetido a “julgamento”, quatro meses depois de haver sido assassinado.
Lluís Companys discursa
Discurso de Companys em 1/5/1937
Em fevereiro de 1937, o jornal “Solidaridad Obrera”, órgão oficial da
CNT, celebrava a lei de legalização do aborto, reconhecendo-o como uma
“necessidade social” e uma “conquista revolucionária”.
Acima, página do jornal "Solidariedad Obrera", órgão oficial da anarquista CNT, em que eles comemoram mais uma "conquista revolucionária" (canto inferior direito): a publicação da Lei do Aborto, por decreto, editada no dia de Natal de 1936!
Acima, página do jornal "Solidariedad Obrera", órgão oficial da anarquista CNT, em que eles comemoram mais uma "conquista revolucionária" (canto inferior direito): a publicação da Lei do Aborto, por decreto, editada no dia de Natal de 1936!
A lei, aprovada por decreto no dia de Natal de 1936, fora batizada de “Reforma Eugenésica del Aborto”, permitindo o aborto até o terceiro mês de gravidez por “causas terapêuticas”, controle populacional, motivos “éticos” ou “sentimentais” e, ainda, para “controlar la calidad futura de la raza catalana”.
Com o avanço das tropas de
Franco e a debandada dos dirigentes da Frente Popular, Companys fugiu para Paris. Aprisionado pelos
alemães após a queda da França, Companys foi entregue ao governo espanhol que o
sentenciou à pena máxima. Alguns relatos afirmam que, antes de enfrentar o
pelotão de fuzilamento, Companys teria pedido a presença de um padre para
confessar-se. Parece pouco plausível.
Carles Puigdemont, atual presidente da Generalitat, deposita coroa de flores no túmulo de Companys – 2017. Fonte: Govern catalão
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