Professor Hermes Nery publicou artigo no Diario Digital Vox, propondo capitalização familiar para a previdência no Brasil em combinação com o regime de repartição que já existe. Eu tive a oportunidade de colaborar com o artigo dele na fase de preparação e ele mencionou um dos meus comentários no artigo final.
Na sugestão, o professor Nery defende que a crise na previdência no Brasil é fruto da desordem nas famílias brasileiras e da crise do estado de bem-estar social. Ele critica a ideia de Paulo Guedes de substituir o regime de repartição pelo o de capitalização individual e propõe a combinação do regime de repartição com uma capitalização familiar, para proteger o que há de mais fundamental na sociedade: a família.
Vejam abaixo parte do
texto do ilustre professor Hermes Rodrigues Nery. Leiam todo no site
Dvox.
Capitalização
Familiar: uma proposta que conjuga vida e família na Reforma da Previdência
12.04.2019
Hermes Rodrigues Nery
A reforma da
Previdência (PEC 06/2019) foi apresentada na Câmara dos Deputados pelo
Presidente Jair Bolsonaro, no dia 20 de fevereiro, como proposta do Ministério
da Economia, em busca do ajuste fiscal, para evitar o colapso das contas
públicas. Sete governadores decretaram estado de calamidade financeira. A má
gestão dos últimos governos, resultou na falta de investimentos públicos e a
queda do emprego formal (ligeiramente recuperado no começo deste ano), por isso
as altas taxas de juros fizeram crescer a dívida pública interna do País, daí a
reforma da Previdência ser também uma exigência do mercado financeiro, que
depende desse ajuste para evitar perdas do capital especulativo e debelar o
déficit fiscal crescente para não soçobrar a União, Estados e Municípios.
Em meio ao debate é preciso propor melhorias em alguns pontos para que a
reforma não esteja somente obcecada por superávit, a um custo social
inaceitável para um país com as dimensões continentais como o Brasil, com renda
per capita baixa e grandes diferenças regionais.
O fato é que no debate sobre a crise
previdenciária, muitas vezes, as soluções apresentadas são prioritariamente
economicistas, sem levar em conta as suas causas, e a dimensão humana do que
está em jogo, e, portanto, do que realmente precisa ser feito para que seja possível
garantir a velhice digna, como também o trabalho digno, sem que a dignidade
requerida seja garantida apenas pelo Estado ou também comprometida pelos
excessos do mercado.
A crise previdenciária é consequência de duas
outras crises, mais graves: a crise da família e a crise do trabalho (também a
crise do Welfare State). E mais ainda: a crise do sentido e "dos
fundamentos da vida humana". É a família "que sustenta, em
cada geração, a contribuição do trabalho ao desenvolvimento e ao
progresso". A crise da família está no contexto de
"conjura contra a vida", de fratura e desmonte da instituição
familiar, por forças econômicas políticas e culturais, que agem
sistematicamente desde o final da Segunda Guerra Mundial, com uma agenda de
reengenharia social, de controle populacional e do comportamento humano, e
pressupostos ideológicos que atentam contra a lei natural e a ordem moral
objetiva. Como resultado disso, tivemos a crescente queda de fecundidade e
atomização da sociedade, cujos vínculos familiares foram perdendo solidez.
Contracepção, esterilização e aborto fazem parte
da estratégia de redução demográfica. Em dezembro de 2018, a taxa de
fecundidade do Brasil chegou a 1,7, inferior ao nível
de reposição populacional, que é de 2,2. Com isso, a tendência é chegar, em
duas décadas, ao crescimento negativo, com a inversão populacional e as
terríveis conseqüências decorrentes disso: aumento da pobreza e da
violência. Aí sim o problema assumiria uma proporção de enorme
desestabilização social, pois a principal riqueza de uma sociedade é o capital
humano. Por isso que quanto mais reduzida e desestruturada a família, mais
atomizada a sociedade, com menos chances de crescimento econômico e
produtividade.
Sabe-se que quanto maior a queda da natalidade,
maior o envelhecimento. A crise econômica da Europa no começo desse século, por
exemplo, deve-se muito ao seu inverno demográfico, com seu sistema
previdenciário deficitário, seu déficit fiscal, etc.
A proposta de
reforma da Previdência é complexa e abrangente. Mas quero me deter aqui num
aspecto que considero mais relevante.
Pela primeira vez, desde 1940, quando foi
instituído o sistema de Previdência Social no Brasil, propõe-se a substituição
do regime de repartição para o de capitalização individual, como expressa o
art. 221-A: "Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal
instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de
capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório
para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de
constituição de reserva individual para o pagamento do benefício, admitida
capitalização nocional, vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos
por parte de ente federativo". Este talvez seja o ponto mais
controverso e mais impactante da reforma e que requer cuidadosa reflexão e
melhoramento na proposta.
A
reforma da Previdência (PEC 06/2019) foi apresentada na Câmara dos
Deputados pelo Presidente Jair Bolsonaro, no dia 20 de fevereiro, como proposta
do Ministério da Economia, em busca do ajuste fiscal, para evitar o colapso das
contas públicas. Sete governadores decretaram estado de calamidade
financeira [2]. A má gestão dos últimos governos, resultou na falta de
investimentos públicos e a queda do emprego formal (ligeiramente recuperado no
começo deste ano), por isso as altas taxas de juros fizeram crescer a dívida
pública interna do País, daí a reforma da Previdência ser também uma exigência
do mercado financeiro, que depende desse ajuste para evitar perdas do capital
especulativo e debelar o déficit fiscal crescente para não soçobrar a União,
Estados e Municípios. Em meio ao debate é preciso propor melhorias em
alguns pontos para que a reforma não esteja somente obcecada por superávit, a
um custo social inaceitável para um país com as dimensões continentais como o
Brasil, com renda per capita baixa e grandes diferenças regionais.
O
fato é que no debate sobre a crise previdenciária, muitas vezes, as soluções
apresentadas são prioritariamente economicistas, sem levar em conta as suas
causas, e a dimensão humana do que está em jogo, e, portanto, do que realmente
precisa ser feito para que seja possível garantir a velhice digna, como também
o trabalho digno, sem que a dignidade requerida seja garantida apenas pelo
Estado ou também comprometida pelos excessos do mercado.
A
crise previdenciária é consequência de duas outras crises, mais graves: a crise
da família e a crise do trabalho (também a crise do Welfare State). E mais
ainda: a crise do sentido e "dos fundamentos da vida humana". É a
família "que sustenta, em cada geração, a contribuição do trabalho ao
desenvolvimento e ao progresso". A crise da família está no contexto de
"conjura contra a vida", de fratura e desmonte da instituição
familiar, por forças econômicas políticas e culturais, que agem
sistematicamente desde o final da Segunda Guerra Mundial, com uma agenda de
reengenharia social, de controle populacional e do comportamento humano, e
pressupostos ideológicos que atentam contra a lei natural e a ordem moral
objetiva. Como resultado disso, tivemos a crescente queda de fecundidade e
atomização da sociedade, cujos vínculos familiares foram perdendo solidez.
Contracepção,
esterilização e aborto fazem parte da estratégia de redução demográfica. Em
dezembro de 2018, a taxa de fecundidade do Brasil chegou a 1,7,
inferior ao nível de reposição populacional, que é de 2,2. Com isso, a
tendência é chegar, em duas décadas, ao crescimento negativo, com a inversão
populacional e as terríveis conseqüências decorrentes disso: aumento da pobreza
e da violência. Aí sim o problema assumiria uma proporção de enorme
desestabilização social, pois a principal riqueza de uma sociedade é o capital
humano. Por isso que quanto mais reduzida e desestruturada a família, mais
atomizada a sociedade, com menos chances de crescimento econômico e produtividade.
Sabe-se
que quanto maior a queda da natalidade, maior o envelhecimento. A crise
econômica da Europa no começo desse século, por exemplo, deve-se muito ao seu
inverno demográfico, com seu sistema previdenciário deficitário, seu déficit
fiscal, etc. Com menos nascimentos (ou nascimentos em situações de desestrutura
familiar), pergunta-se: como ficará o sistema previdenciário, com uma população
cada vez mais reduzida, com mais idosos do que jovens, com mais custo
sanitário, elevando ainda mais o custo da seguridade social? A diferença é que
os países de alta renda per capita (o que não é o caso do Brasil, de grandes
diferenças regionais) suportam mais tempo a crise econômica decorrente da queda
da fecundidade, mas no nosso caso, se a tendência se mantiver no mesmo ritmo, a
inversão populacional agravará as situações de pobreza, em nosso País,
comprometendo assim o nosso capital humano, pois é óbvio que os mais
fragilizados da sociedade não terão capacidade de poupança e ficarão
vulneráveis, sem meios adequados que permitam assim a velhice digna. E diante
de uma velhice sem amparo, a exemplo do que já acontece na Europa, buscarão
aqui também legalizar a eutanásia, como falsa solução.
Uma reforma complexa e abrangente
A
proposta de reforma da Previdência é complexa e abrangente. Mas quero me deter
aqui num aspecto que considero mais relevante.
Pela
primeira vez, desde 1940, quando foi instituído o sistema de Previdência Social
no Brasil, propõe-se a substituição do regime de repartição para o de
capitalização individual, como expressa o art. 221-A: "Lei complementar de
iniciativa do Poder Executivo federal instituirá novo regime de previdência
social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de
contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão
de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva
individual para o pagamento do benefício, admitida capitalização nocional,
vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente
federativo" [7]. Este talvez seja o ponto mais controverso e mais
impactante da reforma e que requer cuidadosa reflexão e melhoramento na
proposta.
O
desmonte da previdência pública, que começou com a Desvinculação das Receitas
da União (DRU) e também com a crescente dívida de grandes empresas, compromete
o modelo de "pacto social" decidido pelos constituintes de 1988, que
quiseram dar robustez não apenas à previdência, mas também à seguridade social
do qual ela faz parte. Se o regime de repartição como está constituído tem
falhas e não dá conta de suprir as demandas existentes, há, no entanto o
importante princípio constitucional da solidariedade que o sistema de
capitalização individual erradica, por isso o desafio está em aproveitar o que
pode ser aprimorado nos dois sistemas (o de repartição e o de capitalização).
Como destaca o economista Pedro Erik Arruda Carneiro: "A análise do
sucesso do regime previdenciário não pode ser feita observando simplesmente a
solidez financeira, se a gestão possui superávit. Há muitas outras questões
relacionadas à própria gestão, além é claro de muitas questões sociais. Além
disso, a questão da solidez financeira do regime previdenciário pode afrontar
facilmente os princípios de solidariedade e de caridade, em prejuízo da família
e também, em termos pessoais, em prejuízo tanto do jovem que contribui, como do
idoso que recebe a aposentadoria em período que precisa de maior
amparo". Aí está pois o ponto que deve merecer a maior atenção,
no conjunto das propostas apresentadas.
Realismo
O
sistema de capitalização individual nos leva a refletir, com realismo, sobre a
capacidade de poupança e consumo, num país de baixa renda per capita e
diferenças regionais de renda real e produtividade. Mesmo em outros países, e
ainda em épocas e contextos diferentes do nosso, os especialistas em economia
concordam que "os grupos de renda mais elevada poupam uma proporção maior
de suas rendas" e que "uma distribuição mais desigual
da renda pode reduzir a proporção média da poupança, em vez de aumentá-la".
Isso quer dizer que para aumentar a capacidade de poupança e consumo é preciso
elevar a renda per capita e a produtividade, para além do assistencialismo, e
com incentivo concreto ao empreendedorismo. O Brasil é um país pujante de
possibilidades, de talentos, cuja exuberância não pode ser tolhida por uma
abusiva carga tributária e um sistema político cujo federalismo, na prática não
funciona, e requer uma maior descentralização, para que municípios tenham mais
autonomia para prover recursos e investimentos especialmente na oferta de
trabalho.
A
realidade comprova que as melhores oportunidades de mobilidade social numa
sociedade democrática são garantidas por meio da educação, daí ainda hoje os
melhores postos na administração pública e privada exigirem qualificações
técnicas e acadêmicas, o que nem todos conseguem objetivamente alcançar, com as
mesmas condições de oportunidades, salvo as exceções que fazem história, mas
que continuam exceções e não a regra. Na prática, nem todo self made
man sai vitorioso, como querem os liberais, pois em muitas
circunstâncias, prevalece na arena do mercado a perversa lógica do darwinismo
social. Muitas vezes, nem sempre o esforço pessoal é premiado, numa sociedade
de alta e desigual condições de competitividade.
A
proposta do Ministério da Economia é fazer com o que o sistema de repartição
seja substituído gradualmente pelo sistema de capitalização, cuja transição
será onerosa, por causa do déficit transicional. "Se hoje o governo
decide mudar de sistema, ele deixa de arrecadar para fazer transferências.
Passa a colocar o dinheiro nas contas individuais. Mas há uma geração que
contribuiu no sistema antigo e que ainda precisa receber sua aposentadoria. E o
governo tem que arcar com esses benefícios, mas não conta mais com a
arrecadação vinda da taxação sobre os trabalhadores". Nos
Estados Unidos, por exemplo, não houve essa substituição, mas a manutenção dos
dois sistemas. Mas "financeiramente, os planos de benefício definido dos
Estados Unidos tem, a longo prazo, um desempenho melhor do que os planos de
contribuição definida". É possível manter os aspectos
positivos dos dois sistemas (o de repartição e o de capitalização), como já
ocorrem em alguns países de renda per capita alta, não deixando tudo para o Estado,
nem tudo para o mercado. Nesse sentido, uma melhor solução seria substituir (ou
dar uma opção à mais) a capitalização individual pela capitalização familiar,
mas complementar ao de repartição, para "assegurar um equilíbrio entre
entradas e despesas sociais no balanço público".
O
fato é que - como explica Martine Bular - a capitalização individual sempre foi
"apresentada como a solução miraculosa que deveria aportar segurança e
prosperidade aos aposentados, diante de um sistema público de previdência em
situação terminal, esmagado pelo choque demográfico. O balanço é
inapelável." E destaca que "nos fundos com
contribuição definida, poupador depende da empresa não quebrar. Nos fundos
cotizados, ele depende das ações e das taxas de juros no momento da
saída", Por isso as "futuras aposentadorias desabam ao
mesmo tempo que os mercados financeiros". Foi o que aconteceu, por
exemplo, com os trabalhadores da Enron e da WorldCom, que "perderam mais
do que dois bilhões de dólares combinados em poupanças de
aposentadoria" [16]. A falência de fundos de pensão comprovam a
vulnerabilidade de um sistema quando está sob controle apenas do mercado
financeiro. "Sozinhos, os planos de poupanças de contribuição definida
proporcionam o potencial para um rendimento de aposentadoria maior, mas não
podem oferecer seguridade". Há apenas "potencial", mas
na prática, "os saldos da maioria dos planos de contribuição definida são,
na verdade, bastante baixos e proporcionam pouca esperança no financiamento de
uma aposentadoria decente".
O
fato é que "os planos de contribuição definida portam sérios riscos além
das diminuições em potencial do rendimento da aposentadoria. Os empregadores
podem e cortam suas contribuições quando a situação econômica fica ruim; os
trabalhadores, com freqüência, retiram dinheiro dessas contas e não o utilizam
para a aposentadoria; e a maioria das distribuições da quantia total não são
reinvestidas nas contas de aposentadoria, principalmente pelos jovens (quem
mais se beneficiaria com o investimento a longo prazo) e pelos trabalhadores
mal-remunerados e com menos posses em geral (que, mais provavelmente, podem
precisar de apoio financeiro extra ao se aposentar). Cada vez mais processos
judiciais são movidos contra empresas devido à forma como administram seus
planos de contribuição definida". E mais: "ao passar dos
planos de benefício definido para os de contribuição definida, os empregadores
se livram dos custos, mas eles fazem isso transferindo o risco e os custos para
os trabalhadores".
A Capitalização Familiar, uma alternativa
O
aspecto mais grave da PEC O6/2019 , está contido no art. 221A, quando diz:
"instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em
sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter
obrigatório para quem aderir". A experiência de outros países
mostram que o regime de capitalização quando coexiste com o de repartição (a
exemplo dos Estados Unidos, que preza pela previdência pública até hoje, pois
"39,2% dos americanos idosos teriam renda abaixo da linha oficial da
pobreza" se não contassem com os benefícios da previdência
social), pode trazer algum ganho se a modalidade de contribuição definida for
complementar ao regime de benefício definido, "como muitos fazem, para oferecer
um rendimento maior na aposentadoria. Entretanto, do ponto de vista do sistema
de aposentadoria, as poupanças pessoais são qualitativamente diferentes da
Seguridade Social e dos planos de benefício definido. As poupanças não possuem
a garantia e a previsibilidade desses outros componentes do sistema de
aposentadoria. Os poupadores podem, facilmente, durar mais que suas economias
ou começar a acessá-los muito antes de sua aposentadoria. Para piorar, poupar o
suficiente para uma aposentadoria decente é difícil para muitos
trabalhadores". E ainda: "A mudança dos tradicionais planos
de benefício definido para planos híbridos tem piorado os pagamentos de
benefícios para alguns trabalhadores e diminuído a prevalência de alguns deles,
como a aposentadoria prematura subsidiada. Assim, defender o sistema de
aposentadoria requer não apenas a promoção dos planos de benefício definido
como uma questão geral, mas também a promoção e a defesa de planos bem
elaborados". E mais: "Da mesma forma, ao mesmo tempo em que
ressalta os problemas sérios dos planos de contribuição definida, reconhece que
tais planos, se usados de forma apropriada, podem desempenhar um importante
papel no preparo dos trabalhadores para a aposentadoria".
O
texto do art 221-A é explícito nas características do regime de capitalização
proposto: "contribuição definida (sabe-se o quanto é recolhido, mas não se
delimita o benefício a receber, que dependerá do saldo constante da reserva
individual); conta vinculada para cada trabalhador (isto é, capitalização
individual, sem qualquer perspectiva de solidariedade); proibição da utilização
desses recursos pelo Governo". O sistema nocional (de contas
virtuais) como prevê o art. 221A, "apresenta o risco de mascarar o passivo
atual e deixar as novas gerações com benefícios insuficientes".
Além disso, cabe ressaltar que os dados da realidade mostram que mais pobres da
sociedade são os que mais dificuldades encontram por um emprego regular,
sobrevivendo, como podem, no mercado informal, e mais ainda, honestamente, são
solapados muitas vezes por quem tem mais meios, mais influência, mais
oportunidades. Com recursos parcos e baixos salários, muitos não dão conta de
fazer poupança, pois as demandas de varejo assolam, com as exigências diárias.
Por isso, a capitalização teria um melhor efeito se realmente fosse definido um
corte de renda para que o segurado possa optar pela capitalização.
A
própria equipe do governo chegou a pensar nesse corte de renda, em R$ 4.055,82,
para daqui há dez anos. E prevê ainda uma redução desse corte para R$ 3.284,27,
em 2040. Daí que é óbvio que o modelo de capitalização individual é para a
classe média alta, o que sacrificaria a maior parte da população brasileira, e
mesmo a classe média que empobreceu nos últimos anos, - como lembra Ana
Maria Bonomi Barufi "desde meados de 2014, 2,6 milhões de indivíduos
deixaram as Classes A e B e 3,7 milhões de indivíduos deixaram a Classe C, e a
contrapartida disso foi um aumento das Classes D e E em 6,5 milhões de indivíduos".
É óbvio que esse contingente, com a piora no mercado de trabalho, não
conseguiria atender as exigências de poupança da capitalização individual e
ficariam socialmente mais vulneráveis. E por conta disso, é evidente que,
nessas condições, se o regime de repartição for substituído, dessa forma, como
prevê o art. 221A, para a capitalização individual, não haverá caixa para
suprir a aposentadoria decente e digna. Nesse sentido, "governos e outras
agências deveriam favorecer, com valor supremo, a proteção e a promoção da vida
familiar: algo que certamente exige a segurança econômica dos indivíduos, mas
que não se pode reduzir à segurança econômica individual".
Por
isso propomos uma emenda ao art. 221A da PEC 06/2019, para que a capitalização seja
complementar (e não substituta), que seja familiar e não individual. A
capitalização familiar seria uma contribuição inédita ao modelo previdenciário
brasileiro, nos moldes de plano de previdência fechada, cujos fundos
instituídos e ativos seriam geridos não por bancos ou operadores do mercado
financeiro (como na capitalização individual) nem pelo Governo (como no modelo
de repartição), mas por associações de família, legalmente constituídas, e
fiscalizadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar
(PREVIC).
O
próprio art. 221A diz que o sistema de capitalização será instituído através de
lei complementar, ocasião em que será possível explicitar a legislação
específica para a capitalização familiar, como forma de viabilizar a salvaguarda
da instituição familiar, que requer cuidado e proteção para que haja condições
concretas para o cumprimento de sua finalidade social, pois o sistema de
capitalização individual, como está apresentado no referido artigo da PEC
06/2019 vulnerabiliza ainda mais a família, que é suporte da pessoa humana,
pois "as famílias devem com prioridade diligenciar para que as leis e as
instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e defendam
positivamente os seus direitos e deveres" e que "a
sociedade não abandone o seu dever fundamental de respeitar e de promover a
família" .
É
óbvio que a capitalização individual como apresentada, no atual contexto, não
leva e conta os muitos fragilizados da sociedade. "Infelizmente há no
mundo muitíssimas pessoas que não podem referir-se de modo algum ao que poderia
definir-se em sentido próprio uma família. Grandes setores da humanidade vivem
em condições de enorme pobreza, em que a promiscuidade, a carência de
habitações, a irregularidade e instabilidade das relações, a falta extrema de
cultura não permitem praticamente poder falar de verdadeira família. Há outras
pessoas que, por motivos diversos, ficaram sós no mundo". Esses e
muito mais precisam da proteção da família (que seja fortalecida por
associações) para que não seja erradicada da sociedade o princípio
constitucional da solidariedade. Nesse sentido, legislação e vida poderão estar
conjugados para uma reforma previdenciária que promova efetivamente vida e
família.