segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Catalunha (Parte 4) - O Regime Constitucional Após Franco.


Hoje relembra-se o beato Victor Chumillas-Fernández (foto acima), ele é um dos 498 mártires da Guerra Civil espanhola que foram beatificados juntos em 2007. Mais de 6.800 bispos, padres, diáconos e freiras foram martirizados durante o "terror vermelho" que ocorreu nessa guerra civil. Relativos a essa guerra, até hoje, 1.815 foram beatificados e 11 foram canonizados.

Rezemos por Victor Chumillas-Fernández, ele conheceu o poder da fé cristã e o quanto essa fé pode atrair o ódio a Cristo por parte de ateus.

Como sabem, pedi ao Fuentecalada para escrever para o blog sobre a questão da Catalunha, sua história e tentativas de independência.

Fuentecalada já me passou três partes do seu texto. Para ler a primeiro parte, que trata da história da Catalunha,  clique aqui, para a segunda parte, que trata da Catalunha durante a Guerra Civil, clique aqui e para a terceira parte, que a trata da Catalunha durante o governo Franco, clique  aqui.

Abaixo temos a quarta parte que trata da transição do governo Franco e da anistia total aos comunistas.

Nessa parte, Fuentecalada fala, inclusive, sobre a influência dos anarquistas/comunistas na América Latina e de como os padres, especialmente jesuítas, apoiaram a formação e as ações do grupo terrorista ETA.

A princípio, eram para ser apenas quatro partes, mas combinei com Fuentecalada de dividir essa última parte em duas. Então, teremos mais um ótimo texto dele nos próximos dias.

Para quem já leu qualquer dos textos de Fuentecalada,  não perderá tempo, pois conhece a qualidade e o conhecimento dele e imediatamente lerá o que vai abaixo


"O regime constitucional estabelecido após o período franquista".
Autor: Fuentecalada


Naquela manhã de vinte de dezembro de 1973, como fazia diariamente, o almirante acabara de sair da missa na Igreja de São Francisco de Borja, a paróquia dos jesuítas situada defronte à embaixada dos EUA em Madrid. Ángeles, a filha caçula, desta vez não o acompanhara. O neto, nascido há poucos meses, passara a noite inquieto. Pouco antes de sair para a missa, Ángeles telefonara para avisar que não iria com ele. Estava “morta de sono”. Acomodado no banco traseiro do Dodge 3700 GT, o almirante passaria em casa para tomar o desejum e, em seguida, dar início a mais um dia de trabalho. Naquele dia teria início o julgamento dos dirigentes das “Comisiones Obreras (CC. OO.), a organização clandestina que era o principal fruto visível do “trabalho de base” organizado pelo “Partido Comunista de España” (PCE) para infiltrar a direção dos sindicatos de trabalhadores e insuflar greves. Dentre os dirigentes subversivos detidos, um sacerdote jesuíta: Francisco García Salve, um dos novos “padres operários”, que haviam ressurgido após a reabilitação concedida pelo Papa Paulo VI, em 1965, ao movimento que tivera origem na Juventude Operária Católica (JOC). Os dirigentes das CC. OO., todos filiados ao PCE, haviam sido presos quando realizavam uma reunião no Convento dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada, em um subúrbio de Madrid. Um sacerdote jesuíta..., o que possivelmente trouxe ao almirante a lembrança da antiga igreja de São Francisco de Borja, incendiada pela turba, em 1931, nos tumultos que se seguiram à queda da monarquia. “¡Los conventos! ¡Los conventos!”. Talvez também lhe tenha vindo à lembrança o Capitão José, seu irmão, executado pelas milícias republicanas em 1936, quando estalou a Guerra Civil. O refúgio na embaixada, a fuga para a França, o retorno à Espanha para ingressar no combate ao lado de Franco. Haviam se tornado amigos próximos. A opção pela neutralidade. A aspiração acalentada por tantos anos...restauração. O carro contornou a igreja e ingressou na Calle de Claudio Coello. Um sacerdote jesuíta... Há tempos o almirante declarara em uma entrevista: “El católico sirve a la Iglesia de la que forma parte, pero si para sus fines políticos o de cualquier otro orden, se sirve de la Iglesia poniéndose una etiqueta de católico, no obra, a mi juicio, como buen católico…”. Mais um Natal se aproximava. A longa conversa que tivera na véspera com Kissinger. Espanha terá a bomba? Um sacerdote jesuíta... Pensara, então, na Opus Dei? Comungara há pouco. E se...
Quando os dois membros da escolta que seguia o carro do almirante recobraram os sentidos, uma nuvem de poeira e detritos cobria a rua. Cheiro de gás. Saíram cambaleantes do carro. Mais à frente, pararam à borda de uma enorme cratera inundada. “Onde está o carro do presidente?”, perguntou um deles. “Não sei, deve ter passado antes da explosão”... Na realidade, o carro fôra arremessado a uma altura de quinze metros e se espatifara no interior do pátio do convento dos jesuítas.
Em decorrência da explosão, provocada por um dispositivo acionado por cabos elétricos, morreram o motorista José Luis Pérez Mogena, o inspetor de polícia Juan Antonio Bueno Fernández e o pai da jovem Ángeles, o Almirante Luis Carrero Blanco, chefe de governo espanhol. Seis outras pessoas que se encontravam nas imediações ficaram feridas.
Naquela noite, a programação em espanhol da Rádio Paris (RTF), controlada por exilados anti-franquistas, em grande parte membros ativos do PCE, divulgou um comunicado atribuído ao grupo terrorista ETA - “Euskadi Ta Askatasuna” (vasco para "Pátria Vasca e Liberdade"), que assumia a responsabilidade pelo atentado, classificando-o como “um avanço na luta contra a opressão nacional, pelo socialismo em Euskadi e pela liberdade de todos os explorados e oprimidos dentro do Estado espanhol”.
No dia seguinte, antes de presidir a reunião do Ministério, Franco confidenciou a seu ajudante de ordens, o Capitão de Marinha Antonio Urcelay: “Cortaram o último fio que me unia ao mundo”. Mais tarde, perante o Ministério reunido e tal como ocorreria depois, ao cumprimentar a viúva durante o funeral, Franco fez algo inesperado e que até então nunca fora visto em público: caiu em prantos e soluçou desconsoladamente.

Franco no funeral do Almirante Carrero Blanco com a viúva.
A presença de outro visitante no velório realizado no dia anterior teria causado mais do que surpresa à viúva, aos familiares e autoridades presentes: o Cardeal Vicente Enrique y Tarancón, Arcebispo de Madrid e presidente da “Conferencia Episcopal Española”. Tarancón fôra elevado à honra cardinalícia por Paulo VI, em 1969, e se fizera o principal expoente na Espanha do aggiornamento conciliar. Acompanhado de seu ajudante, o padre jesuíta José María Martín Patino, o cardeal insistia caber a ele celebrar a missa de corpo presente. Terminada a missa, saíram os dois por uma porta lateral, sob escolta da polícia, enquanto da rua lhes gritavam: “Assassinos!”.
O Cardeal Tarancón e o padre jesuíta José María Martín Patino.


Às quatro da tarde, o cortejo fúnebre partiu em direção ao cemitério de El Pardo, encabeçado pelo cardeal Tarancón, acompanhado do padre Martín Patino e de outros bispos sob os apupos da multidão: ¡Queremos obispos católicos!”. “¡Obispos rojos no!”. Segundo o jornal Folha de São Paulo, tratou-se de um “ataque à Igreja”.
Três dias depois do ataque terrorista, a polícia já havia identificado seis suspeitos, todos pertencentes ao ETA. O ETA fôra constituído no final dos anos cinqüenta e teria iniciado suas atividades terroristas em 1960, explodindo a bomba que matou uma jovem de 22 anos em uma estação ferroviária. Sua primeira “assembléia” ocorreu no mosteiro beneditino de Nossa Senhora de Belloc, em Urt (França). Na “assembléia IV”, realizada em agosto de 1965 na Casa de Exercícios Espirituais dos jesuítas, em Azpeitia, foi aprovado, em definitivo, o uso da violência armada como meio de ação habitual, além de afirmar o caráter revolucionário de cunho comunista e “terceiro mundista” (!) da organização.
Em 22 de maio de 1965, o padre jesuíta Pedro Arrupe (1907-1991), espanhol de origem vasca, fôra eleito o superior geral da Companhia de Jesus. Em 1923, Arrupe ingressara no curso de medicina em Madrid, onde teve como professor Juan Negrín, o político socialista que assumiria em maio de 1937 a presidência do Conselho de Ministros do governo republicano com o apoio do PCE. Quando Negrín soube que Arrupe abandonara o curso de medicina para ingressar na Companhia de Jesus, empreendeu uma longa viagem de trem, treze horas na época, para demovê-lo. Vislumbrava um brilhante futuro para seu aluno. Arrupe, porém, manteve a decisão. Despediram-se com um abraço: “Pedrito, sempre simpatizei muito com você”, disse-lhe Negrín. Em 1932, o governo republicano expulsaria da Espanha a Ordem dos Jesuítas.
Arrupe havia estreado no Concílio Vaticano II, já na condição de superior da Ordem, afirmando que, ao fim de dois mil anos, a Igreja ainda não tinha encontrado uma maneira eficaz de defender a sua mensagem. Defendeu, então, ao abordar o avanço do “ateísmo”, que a Igreja não poderia continuar “isolada e como que fechada num gueto, mas imersa no mundo” (de Mattei, Roberto in “O Concílio Vaticano II – Uma História nunca escrita”. Caminhos Romanos. Porto – Portugal : 2012, p. 426). A declaração foi refutada por diversos prelados que defendiam a necessidade de o Concílio proferir uma clara condenação ao comunismo, dentre os quais, o brasileiro D. Antônio de Castro Mayer, cuja intervenção foi reproduzida pela revista “Catolicismo” (Catolicismo n° 178-179, outubro-novembro de 1965, p. 16).
A “assembléia V” do ETA se reuniria entre dezembro de 1966 a março de 1967, primeiramente na Casa Paroquial de Gaztelu e depois na Casa de Exercícios Espirituais, em Guetaria, sendo ambas as instalações pertencentes aos jesuítas.
Dentre as invariáveis dissensões internas que resultavam desses encontros, surgiria o grupo que assumiria o controle da organização e viria a executar o atentado que matou Carrero Blanco.  Porém, eram cada vez mais fortes os indícios de que o ETA não agira sozinho.
Em 1974 foi publicado na França o livro “Operación Ogro: Cómo y por qué ejecutamos a Carrero Blanco”, cuja autoria era atribuída a um personagem inexistente, Julen Aguirre. Revelou-se mais tarde que a verdadeira autora era Eva Forest (1928-2007), natural de Barcelona e filha de um casal de anarquistas, uma ativa militante do PCE que tivera participação direta no planejamento e execução do atentado. O livro, apesar de relatar fatos verídicos, fôra publicado com a intenção de indicar pistas falsas e confundir a investigação policial. Dez anos depois, em uma nova edição, Eva Forest assumiria não só a autoria do livro, mas também o papel ativo que desempenhou na “Operación Ogro”.


Tão logo veio a luz a vinculação partidária de Eva Forest, o PCE apressou-se a afirmar que Eva Forest teria se tornado uma dissidente do partido e, portanto, não reconhecia qualquer vinculação de algum de seus membros com o atentado. Contudo, Eva Forest era presença constante nos atos promovidos pelo PCE. Em 1966, Eva Forest fez a primeira de suas várias viagens a Cuba. No retorno, publicou o livro “Los Nuevos Cubanos”, uma peça de propaganda para o regime de Castro, além de criar o “Comitê de Solidariedade a Cuba”. Logicamente, criou logo depois o “Comité de Solidaridad con Vietnam”. Em 1970, criaria também um “Comitê de Solidariedade” aos dezesseis terroristas do ETA, dentre os quais dois padres, que estavam sendo processados como responsáveis por três assassinatos, além de atentados e assaltos, o chamado “Processo de Burgos”. No contexto de agitação e propaganda a pretexto desse julgamento, cerca de trezentos “artistas e intelectuais” se trancaram na abadia beneditina de Montserrat, na Catalunha, e lançaram um manifesto em que pediam anistia total, liberdades democráticas e direito de autodeterminação, sob as bênçãos do abade Cassià Just, que se tornaria conhecido com “o abade vermelho”.
Em 1977, Eva Forest declarou que havia conhecido em Cuba várias pessoas interessadas em impulsionar um “movimento de libertação vasco”, dentre eles um argelino, que seria o seu contato com a KGB. Na ilha estabeleceu-se a conexão internacional que resultaria na criação por ela do “Comitê de Solidariedade” ao ETA, do qual participariam grande número de intelectuais, membros do PCE e pessoas ligadas à revista “Cuadernos para el diálogo”, uma publicação de “católicos progressistas” que surgira tecendo loas ao Concílio Vaticano II e que, ao longo de sua existência, entre 1963 a 1978, adotaria uma linha de crescente oposição ao regime franquista.   
Na foto abaixo, Eva Forest, ao lado do marido Alfonso Sastre, em uma de suas viagens a Cuba, em um jantar com o Ministro da Cultura com a presença do “comandante” Fidel Castro.

O assassinato do Almirante Carrero Blanco, denominada pelos terroristas de “Operación Ogro”, é considerado o fato que deu início ao processo de “transição à democracia”, pois teria impedido a continuidade do regime franquista. Desde 1969 o príncipe Juan Carlos fora designado para suceder Franco na chefia de Estado, com o título de rei, em caso de morte ou incapacidade do caudillo. Contudo, o príncipe Juan Carlos, apesar de haver jurado lealdade a Franco, aos princípios do Movimiento Nacional e às leis do Reino, pretendia iniciar um processo de “abertura política” e fazer profundas mudanças, dentre as quais a legalização do PCE, conforme fizera saber a Santiago Carrillo através de Nicolae Ceasescu, líder comunista da Romênia. A legalização do PCE ocorreria em 1977, durante a Semana Santa.
  

  
             Nicolae Seasescu e Santiago Carrillo com as esposas.                            Santiago Carrillo e outros líderes políticos são recebidos pelo Rei Juan Carlos em 1980.

Os assassinos de Carrero Blanco nunca seriam levados a julgamento. O inquérito que investigou o caso desapareceu. Tampouco os autores do atentado na Cafetería Rolando em Madrid, perpretado em setembro de 1974, explosão que resultou em treze mortos e mais de setenta feridos e mutilados. As investigações apontaram o ETA-V, Eva Forest e sua rede de colaboradores que seria desmantelada pela polícia, vários deles membros ativos do PCE. Santiago Carrillo negou participação e determinou aos advogados do partido que não patrocinassem a defesa dos suspeitos detidos, o que gerou algumas vozes relutantes, mas foi disciplinadamente cumprido pelos militantes.
O “processo de transição para a democracia” que se seguiu à morte de Franco, em 1975, resultaria em “anistia total”, aprovada em 1977, na qual foram libertados, entre outros envolvidos em atos de terrorismo, Eva Forest, que, ao sair da cadeia, posou para os fotógrafos com punho erguido, o gesto de saudação comunista (foto abaixo).

Durante aqueles anos surgiram diversos grupos terroristas e “braços armados” dos vários partidos e grupelhos de orientação revolucionária, dentre os quais os “Grupos de Resistencia Antifascista Primero de Octubre” (GRAPO), ligados ao “Partido Comunista de España (reconstituido)”, mais uma das dissidências do PCE que rejeitavam a liderança de Santiago Carrillo e a linha política de “reconciliação nacional” e aproximação com o “eurocomunismo” que o antigo dirigente imprimira ao partido. O PCE “marxista-leninista”, outra dissidência do PCE, por sua vez, manteria em ação, até 1978, o grupo terrorista “Frente Revolucionario Antifascista y Patriota” (FRAP) e, no “campo cultural”, a publicação “Viento del Pueblo”, em que teria colaborado Alfonso Sastre, casado com Eva Forest e que aparece ao seu lado na foto acima.
Em 1979, o cineasta italiano Gillo Pontecorvo, ex-membro do “Partito Comunista Italiano” (PCI), mas ainda um marxista convicto, lançou um filme sobre a “Operación Ogro” baseado no livro de Eva Forest, uma peça de propaganda revolucionária em que se propunha refletir, inconclusivamente, sob o dilema existencial de se manter a “luta armada” em uma sociedade democrática. Para embaraço do diretor, o filme foi lançado quando a Itália estava sob o impacto do seqüestro e assassinato do Primeiro Ministro Aldo Moro pelo grupo terrorista “Brigadas Vermelhas”. Na cena que reproduz a explosão, Pontecorvo excluiu os transeuntes inocentes que foram atingidos no atentado. A verdade nem sempre é revolucionária.  
O jesuíta Francisco García Salve, “padre operário” que fora dirigente das CC. OO. e militava no PCE, beneficiado pela anistia de 1977, largou o sacerdócio, casou-se e virou advogado trabalhista. Expulso do PCE, em 1981, ajudou a fundar o “Partido Comunista de los Pueblos de España” (PCPE), onde integrou o Comitê Central. Em 1981 lançou o livro “Por qué somos comunistas”. Sua carreira literária, porém, havia começado em 1965, quando lançou sua obra de estréia: “Yoga para jóvenes”...
Eva Forest morreu em 2007, na região vasca. Lá chegou a se eleger senadora, em 1989, pela coalizão esquerdista “Herri Batasuna” (HB; literalmente, ‘Unidad Popular’ em língua euskera/vasca), que não subscrevera o “Pacto de Ajuria Enea” pela paz e contra o terrorismo. Eva Forest cultivou a fama de escritora e gostava de se apresentar como a precursora do movimento feminista na Espanha e uma “defensora dos direitos humanos”.
Santiago Carrillo elegeu-se deputado em 1977, 1979 e 1982. Porém, o PCE colheria sucessivos fracassos eleitorais após a volta à legalidade, o que resultou em novas dissensões internas que culminaram na expulsão de Carrillo do PCE em 1985. No ano seguinte, Carrillo fundaria o “Partido de los Trabajadores de España-Unidad Comunista” (PTE-UC), denominação que uma vez mais refletiria o involuntário efeito humorístico dos nomes escolhidos para os partidos comunistas. Colhendo resultados cada vez mais inexpressivos nas urnas, o PTE-UC optaria por integrar-se ao PSOE como uma “corrente” dentro do partido socialista que denominaram de “Unidad de la Izquierda”... Carrillo, porém, preferiu abandonar a política. Entretanto, não conseguiu evitar que fosse invariavelmente recebido com protestos hostis em suas aparições públicas, sob as acusações de assassino e genocida. Lembranças de seus “feitos” durante a Guerra Civil, quando estava à frente da Secretaria-Geral das “Juventudes Socialistas” do PSOE, mas já atuando sob orientação do PCE. Fôra então nomeado “Consejero de Orden Público”, sendo o organizador e responsável pelo massacre de milhares de prisioneiros nas imediações de Madrid (Paracuellos de Jarama e Torrejón de Ardoz). Negou sempre. Morreu em casa, em 2012, aos 97 anos, fazendo a “siesta”.
A Igreja “imersa no mundo”, tal como propusera o padre Arrupe, resultaria do entendimento de que “O mundo avança mesmo sem nós, disse ele, de nós depende que avance conosco!", o que impulsionaria o compromisso com a “Teologia da Libertação” e teria encorajado o envolvimento de vários jesuítas em grupos terroristas e “movimentos de libertação”, entre outros em países como El Salvador (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional – FMLN), Angola (Movimento Popular de Libertação de Angola - MPLA), Nicarágua (Frente Sandinista de Libertação Nacional – FSLN) e Argentina (Montoneros), além de, naturalmente, no “País Vasco” (ETA).
Em viagem a Portugal, Arrupe rezou de joelhos diante da estátua do Marquês de Pombal, em “sinal de reconciliação” com o homem que no século XVIII expulsou a Ordem dos Jesuítas do Reino, confiscou suas posses, perseguiu e aprisionou sacerdotes, dentre os quais o padre Gabriel Malagrida, sendo este condenado ao garrote e à fogueira. Não há registro de que a estátua de Pombal tenha retribuído o gesto. Dez anos depois, o fato seria saudado pelo socialista Mário Soares (Franco, José Eduardo. “O mito dos jesuítas para além do tempo do mito: no período do Estado Novo e do regime democráticoin Mutações religiosas na época contemporânea: figuras e pensamento Volume 2; Volume 16 de Lusitania sacra. Editor Universidade Católica Portuguesa. Centro de Estudos de História Religiosa : 2004, p. 423-424). Miguel Lamet, admirador de Arrupe, a quem considerava um “profeta”, escreveria uma biografia do jesuíta vasco, dando ao livro o sugestivo título de “Arrupe: uma explosão na Igreja”.


Arrupe ajoelha-se ao pés do monumento
ao Marquês de Pombal.
O “aggiornamento” eclesial e a “opção preferencial pelos pobres” teriam grande impulso na Espanha, especialmente nas regiões vasca e catalã, mas não apenas entre os jesuítas. Da Catalunha viria em missão ao Brasil, em 1968, Pedro Casaldáliga. Ordenado sacerdote em Montjuïc, Barcelona, o claretiano seria nomeado por Paulo VI, em 1971, bispo prelado de São Félix do Araguaia (MT). Adepto da “teologia da libertação”, ajudou a fundar o “Conselho Indigenista Missionário” (Cimi). Avesso ao uso dos tradicionais trajes eclesiásticos, em vez da mitra, preferia o chapéu de palha, em vez de um anel de ouro, até hoje utiliza um anel de tucum. Em 1980 foi homenageado em evento realizado no teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – TUCA, durante a realização de uma “Semana de Teologia” subordinada ao título de “A Igreja na América Latina”, quando lhe foi outorgado um uniforme de guerrilheiro sandinista. “Nicarágua nos deu o exemplo: todos nós, todos os povos da América Latina, todos os povos do Terceiro Mundo, vamos atrás!”, assim concluiu o prelado o seu discurso de agradecimento, já envergando a jaqueta do uniforme de guerrilheiro (Catolicismo n° 355-356, julho-agosto de 1980, p. 14-15). Em 1994, Dom Pedro Casaldáliga apoiou a sangrenta revolta comunista de Chiapas, no México, afirmando que “quando o povo pega em armas deve ser respeitado e compreendido”. Em 1999 publicou a "Declaração de Amor à Revolução Total de Cuba". Retirou-se em 2005. Crítico do governo Lula, por considerar que este gosta mais dos ricos do que dos pobres, apóia o MST e a Via Campesina. Defende o “diálogo” em vez da excomunhão e proibições. Apóia a ordenação de mulheres e se declara contrário ao celibato sacerdotal. Ecologista, recentemente se fez fotografar abraçado a uma árvore.
Na Espanha, a “transição” se concluíra, dentre outras mudanças, com a legalização do jogo e do divórcio. A nova Constituição foi aprovada em 1978 e submetida a referendo popular, obteve aprovação de 58,97% do eleitorado. As primeiras eleições sob a nova Carta foram realizadas no ano seguinte. Em 1981, um grupo de militares tentou dar um golpe, sufocado em menos de 24 horas pela atuação decisiva do rei Juan Carlos. No ano seguinte, o PSOE ganharia as eleições. O Papa João Paulo II, em visita à Espanha, comunicou ao Cardeal Tarancón que havia aceitado sua demissão. Em encontro anterior, João Paulo II havia aplicado uma severa reprimenda ao Cardeal por sua atuação à frente da Conferência Episcopal.

Em 1985, o governo do PSOE, sob a liderança de Felipe Gonzalez, conseguiu aprovar a “descriminalização do aborto”, passando a ser permitido para os casos de estupro, até doze semanas de gravidez; má-formação do feto, até 22 semanas de gravidez e a qualquer momento em caso de “risco de saúde física ou mental da mulher”. 

Nenhum comentário: