segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O Cristianismo no Iraque Acabou. O Problema não começou com o ISIS.


Os cristãos do Iraque disseram que não voltam para suas casas, nem que o ISIS desaparecesse. O jornalista Daniel Williams, que passou 10 dias com estes cristãos no Iraque, conta por que em um texto sensacional do Washington Post.

Vou traduzir aqui partes do texto de Williams:

No discurso de 10 de setembro, o presidente Obama mencionou a necessidade de ajudar os cristãos e outras minorias, expulsos de cidades e aldeias no norte do Iraque, para que eles retornem de onde vieram. "Não podemos permitir que essas comunidades sejam expulsas de sua antiga terra natal", disse ele. 

Obama está errado. Cristãos, dos quais cerca de 120 mil se refugiaram no Curdistão iraquiano, não voltarão para suas casas, mesmo que seus algozes desapareçam de repente. 

Passei 10 dias conversando com refugiados cristãos em Irbil, a capital da região autônoma do norte do Curdistão, este mês, e eles são taxativos em dizer que não vão voltar para Mosul e cidades próximas no que é conhecido como a planície de Nínive. 

Não é simplesmente que estes cristãos passaram por trauma enorme. Não é só porque eles perderam tudo, inclusive suas casas e negócios e, em alguns casos, passaram dias e mesmo semanas na prisão sendo atormentados a se converter ao Islã, onde viram bebês serem tirados dos braços das mães, e jovens sendo levados para o desconhecido. 

É porque, para os cristãos no Iraque, nos últimos três meses foram o clímax de 11 anos de inferno. Nós, americanos, têm memória curta mas vale a pena notar que os cristãos começaram a ter problemas sérios dentro após um ano da queda de Saddam Hussein em 2003.  Às vezes sofriam ataques da al-Qaeda, os insurgentes sunitas. Às vezes eram milícias xiitas lutando contra os sunitas, mas encontrando tempo para perseguir os cristãos. 

Primeiro ocorreram assaltos em lojas que vendiam álcool. Então, em agosto de 2004, as bombas foram colocadas fora de cinco igrejas em Bagdá e Mosul. Onze pessoas morreram. Mais duas igrejas foram bombardeadas em novembro, e os cristãos começaram a fugir para o Curdistão, Jordânia e Síria. Desde então, pelo menos 60 igrejas no país têm sido bombardeadas. A mais recente foi em Bagdá no dia de Natal do ano passado. 

Padres e bispos se tornaram alvos específicos, a fim de passar uma mensagem a seus rebanhos que ninguém está a salvo. Em Mosul, em junho de 2007, homens armados mataram um padre católico caldeu e três diáconos porque o padre se recusou a se converter ao Islã. No ano seguinte, terroristas sequestraram o arcebispo caldeu de Mosul, Paul Rahho, e mataram seu motorista e dois guarda-costas. Os sequestradores colocaram Rahho no porta-malas de um carro, de onde ele foi capaz de ligar para um colega pelo celular e instruiu a igreja a não pagar o resgate. Ele foi encontrado morto alguns dias depois em uma cova rasa. 

Ataques a cristãos leigos eram contínuos. As mulheres receberam mensagens ameaçadoras exigindo que eles parem de trabalhar. Famílias receberam ameaças de morte ligadas a exigências de dinheiro chamada "Daftar", gíria para US $ 10.000. As crianças foram levadas e mantidos como reféns. Sunitas e xiitas, embora ocupados com o que equivalia a uma guerra civil, encontraram tempo para atacar e expulsar os cristãos do bairro de Bagdá de Dora. 

Tudo isso é anterior ao Estado Islâmico. 

Um padre, que pagou fiança por ele mesmo de 85.000 dólares em Bagdá há sete anos, disse que um conhecido muçulmano, uma vez avisou "sábado se foi. Por que ainda está aqui no domingo?" O significado disso é dizer que os judeus, que adoram aos sábados, fugiram do Iraque há muito tempo, então por que os cristãos ainda estão lá?

Na verdade, o êxodo dos cristãos está em curso. Alguém já reparou que a população cristã do Iraque diminuiu de mais de 1 milhão em 2003 para talvez 300 mil hoje? Agora, praticamente não há cristãos.

Então, quando eu perguntei aos refugiados sobre seus planos, eles foram unânimes a deixar o Iraque completamente. Já é o bastante. Isso vai contra o desejo, expresso por aqueles fora do Iraque, que a presença cristã precisa ser preservada em uma terra que conheceu o cristianismo por 2.000 anos. É triste mas é verdade: o cristianismo no Iraque está concluído. Como um refugiado me disse: "Nós queríamos Iraque. O Iraque não quer que a gente ". 

França já tomou um par de aviões carregados de cristãos fora do Curdistão. É preciso muito mais. Os países ocidentais deveriam se unir e oferecer refúgio para as dezenas de milhares de pessoas que querem deixar o Iraque. 


Sim, isso significaria o fim do cristianismo nesta parte do mundo, onde a sua presença serviu muitas vezes como um baluarte contra o fanatismo. Mas acabou, seja o que aconteça com o Estado islâmico. É hora de enfrentar esse fato e salvar os próprios cristãos.


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Ótimo texto. Nada a acrescentar, a não ser rezar por estes cristãos tão sofridos. Que eles encontrem refúgio. O mundo, nem o Vaticano, se levantou para defender estes cristãos, agora eles querem morar em outras paragens.


(Agradeço o texto de Williams  a informação ao site Big Pulpit)

6 comentários:

Nik disse...

Pedero, pelo que sei pimeiro brasileiro no ISIS. A dor desta mãe é séria. Pelo que li em O Globo hoje, ela vai atrás dele, mesmo sabendo que será morta. Chocante. http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/09/mae-brasileira-conta-como-seu-filho-se-tornou-radical-do-estado-islamico.html

Pedro Erik Carneiro disse...

É verdade, caríssimo Nik. A dor da mãe (deveria também ser do pai) é muito grande.

E se o Brasil fizesse a coisa certa: desse abrigo aos cristãos iraquianos, com certeza nós seríamos mais ameaçados pelo Islã.

Abraço,
Pedro Erik

Anônimo disse...

Bom dia amigo!
Definitivamente, a invasão do Iraque pelos EUA foi um erro.
O "eixo do mal" definido à época não chega nem perto do que temos hoje. E os EUA atacaram justamente o país mais fraco.
O que você pensa sobre isso, meu amigo?

Um abraço,
Gustavo.

Pedro Erik Carneiro disse...

Não acho que podemos concluir assim rápido que a guerra contra o Iraque foi um erro. Saddam fazia matanças e havia razões para acreditar que ele tinha armas quimicas.
Talvez o erro tenha ocorrido na condução da guerra
Para mim o próprio Iraque parece um erro. Um país sempre dividido entre xiitas sunitas curdos e cristãos.
Não podemos concluir usando perseguição aos cristãos pois assim teríamos que concluir que segunda guerra foi um erro pois gerou o comunismo.
Abraço
Pedro Erik

Anônimo disse...

Pelo pouco que me lembro, Saddam Hussein havia se disposto a colaborar com a ONU para vistoria do arsenal e o clamor mundial era de que não houvesse intervenção militar. Diferente de agora em que há uma coalizão para combater o EI.
Se com Saddam a situação era ruim, agora após a "primavera árabe" a situação é catastrófica, às portas de uma terceira grande guerra, infelizmente.
Um abraço,
Gustavo.

Pedro Erik Carneiro disse...

Saddam ficou disposto a colaborar depois que viu a forte intenção dos EUA em atacá-lo, Gustavo. Coisa que tem faltado ao Obama contra o ISIS. Como disse um general americano: "ninguém duvida da força militar americana, duvida da vontade americana de usá-la".

Mas sim, a situação agora está bem pior do que sob Saddam, apesar dele ter feito matanças contra xiitas e curdos e ter invadido o Kuwait.

No fim, parece que os ditadores são as únicas salvação dos cristãos em terras muçulmanas, ver os casos de Assad e do Mustafi.

Grande abraço,
Pedro Erik