quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Como Julgar um Papa, se o Papa Indicou Juiz e Promotores?


O site da Associated Press mencionou ontem que a participação de Francisco nos casos de corrupção financeira do Vaticano foi identificada e está sob análise.

Eu já mostrei aqui a explicação do caso, em vídeo da Financial Times. Mas aqui vai um resumo:

  • Os julgamentos das fraudes financeiras no Vaticano envolve vários casos, mas em especial um prédio luxuosíssimo em Londres. Por que o Vaticano gastaria o dinheiro dos fiéis ("Óbolo de São Pedro") em um prédio luxuoso e não em caridade?
  • O Vaticano acusa o cardeal Becciu e consultores financeiros de roubarem o Vaticano nas diversas transações para a compra do imóvel.
  • O imóvel valia 129,5 milhões de libras em 2012 e o dono era Rafaele Mincione, dono de um fundo de investimento chamado Athena Capital. 
  • Apenas dois anos depois, Vaticano deu 200 milhões de libras para o Athena Capital para ter a posse de apenas 45% do imóvel, pagando 54,4% a mais do que valia o imóvel todo, dois anos antes! Muias comissões foram pagas a consultores financeiros pelo negócio.
  • Em 2018, o Vaticano resolveu se desligar do fundo e possuir o imóvel completamente. Daí, os promotores dizem o Vaticano pagou 350 milhões de libras pelo imóvel (170% a mais do valia em 2012!!). 
  • E pior, para se livrar do fundo de investimento, Vaticano contratou um consultor financeiro envolvido em lavagem de dinheiro, chamado Gianluigi Torzi.
  • Claramente, há gigantesca fraude e roubo.
O que a Associated Press nos contou ontem é que o nome de Francisco surgiu no julgamento.

Em resumo, o caso foi o seguinte:

Monsenhor Alberto Pelasca era o subalterno do cardeal Becciu, e teve conhecimento e mesmo assinou documentos em todas as transações denunciadas como fraudes. Mas Pelasca não está sendo julgado pois está colaborando com a justiça plenamente. Além de Perlasca não estar em julgamento, os superiores de Becciu (Francisco e cardeal Parolin) e o sucessor de Becciu (Cardeal Edgar Parra), também não estão sendo julgados, até o momento.

Perlasca rotineiramente repete que só seguiu ordens, inclusive de Francisco ( e isso por si só envolveria Francisco).

Os promotores resolveram interrogar e gravar o interrogatório com Perlasca.

Acontece que para a apresentação desse interrogatório, a gravação foi editada várias vezes.

E um promotor chamado Alessandro Diddi aparece dizendo que a "versão de Francisco é outra", mesmo dizendo para a justiça que não conversou com Francisco. 

Vou traduzir essa parte do texto da Associated Press, abaixo:

"Os advogados de defesa gritaram na quarta-feira, exigindo que os promotores cumpram integralmente a ordem do juiz Pignatone em 29 de julho, e repetiram em 6 de outubro, para fornecer as fitas completas. O advogado Fabio Viglione, representando o cardeal Angelo Becciu, acusou os promotores de “mutilar” as provas.

O advogado Luigi Panella, que representa o antigo gerente financeiro do Vaticano no caso, acusou os promotores de fazer cortes "injustificáveis" e observou que não há nenhuma disposição na lei processual do Vaticano para editar provas.

Panella submeteu ao tribunal um relatório de um perito técnico que revisou o material gravado e descobriu que os metadados de alguns dos arquivos de interrogatório estavam faltando. Para aqueles que continham os metadados mostrando as modificações feitas na fita, até uma hora de depoimento foi cortada, afirma o relatório.

O advogado também citou um interrogatório de Perlasca em 29 de abril de 2020, no qual não há menção no resumo por escrito de que o promotor Alessandro Diddi desafiou Perlasca em sua versão dos acontecimentos, dizendo que ouviu uma versão diferente do papa. A alegação de Diddi sugeria contatos com o papa que nunca foram transcritos ou fornecidos para a defesa.

“Antes de fazer o que estamos fazendo, fomos ao Santo Padre e perguntamos o que aconteceu”, disse Diddi a Perlasca, segundo a transcrição do vídeo. Diddi disse mais tarde que seu escritório nunca interrogou o pontífice e que a referência era às declarações públicas do papa.

Diddi também defendeu fortemente a decisão de editar as fitas para preservar o sigilo do que ele disse serem investigações recém-iniciadas e acusou os advogados de defesa de fazerem muito barulho por “nada”.

A questão, no entanto, aponta para o próprio papel de Francisco nas negociações do Vaticano com o corretor Gianluigi Torzi, que é acusado de extorquir a Santa Sé em 15 milhões de euros para obtenção do controle do edifício de Londres.

Perlasca, de acordo com a transcrição, disse a Diddi que o papa havia autorizado as autoridades do Vaticano a negociar um acordo de saída com Torzi. Outras testemunhas disseram o mesmo, e até mesmo o chefe de gabinete da Secretaria de Estado, o arcebispo Edgar Pena Parra, sugeriu que o papa indicou que o Vaticano deveria negociar com Torzi e não tentar processá-lo.

Em um memorando aos promotores obtido anteriormente pela The Associated Press, Pena Parra disse que Francisco havia deixado claro em novembro de 2018 que queria perder o mínimo de dinheiro possível para finalmente garantir a propriedade do prédio e “virar a página e começar de novo”.

Depois de perceber que Torzi realmente controlava o prédio e com base no desejo de Francisco de seguir em frente, Pena Parra disse que o Vaticano tinha duas opções: processar Torzi ou pagá-lo pelas 1.000 ações com direito a voto que ele possuía.

“Entre essas duas opções, com o conselho de advogados e especialistas, a opção nº 2 foi escolhida por ser considerada mais econômica, com riscos mais contidos e em um prazo mais administrável”, escreveu Pena Parra, que não é suspeito. “Também simplesmente se alinhava com o desejo do superior”, uma referência a Francisco.

Durante o interrogatório de Perlasca, Diddi insistiu que o papa nunca autorizou ninguém a negociar um pagamento de saída para Torzi, interrompendo o monsenhor repetidamente em meio a uma discussão acalorada, de acordo com a transcrição."

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Em todo caso, repito a pergunta do título deste post: como o juiz, Giuseppe Pignatone, vai agir, se o Papa estiver envolvido em apoio aos crimes que estão sendo julgados? Como um juiz indicado pelo Papa vai julgar o Papa? 

Na teologia da Igreja Católica, só outro Papa pode julgar o Papa. Ou não se considera Francisco como Papa, daí abre-se outras possibilidades. Pignatone teria que seguir essa doutrina católica de não ser possível julgar um papa a não ser sendo outro papa?

Sempre que se fala desse julgamento, se lembra que a Corte de Justiça do Vaticano envolve as idiossincrasias da justiça italiana  acrescidas das idiossincrasias do Vaticano, país que possui um líder absoluto, que pode tudo, o Papa.



4 comentários:

Emanoel Truta disse...

Salve Maria!

Caro Pedro,

Essa compra parece muito com a história de Pasadena, adquirida pela Petrobrás.

Viva Cristo Rei!

Viva a Imaculada Conceição!

Emanoel

Isac disse...

QUE BALAIO DE GATO, HEM?
PRIMA SEDES A NEMINE JUDICATUR, isso é o que veremos, se o juiz indicado pelo papa julgará e o indiciará! Será que terá coragem, logo indicado por ele?
Isso me recorda o atual esquerdista UOL mostrando muita vantagem do cangaceiro Lulampião sobre Bolsonaro, pesquisa encomendada por aquele ou alguns de seus capachos e, logicamente, e$tará na frente!
Um ou mais de o oantagonista foi a N York celebrar a vitória da comunista presidente Hillary Clinton com quase 90% de preferência! E acertaram...
Propositadamente, há vários anos que não contribuo com o Óbulo de S Pedro!
Parece-me que não colaborei nessa trapalhada e magistral prejuízo para Igreja, tanto material como ético-moral - esse o pior!
Aguardemos os próximos lances denunciados pelo mestre Dr. Pedro, expert em Economia e em trapaças financeiras!
Essa trama é assustar assombração!

Padre Policarpo disse...

Saudações Pedro Erick!

Se na Sede da Igreja Católica encontra-se desse modo, imaginemos nas dioceses brasileiras com bispos de vertente socialista!
Leigos conservadores precisam começar a fiscalizar não somente os padres, mas as cúrias diocesanas. Há muita exigência de transparência partindo das paróquias para as cúrias, mas o contrário não há!

observo as belas iniciativas de institutos e Associações Católicas conservadores em promover o Evangelho e a doutrina de Cristo, mas não vejo os mesmos inserindo-se nas sedes das paróquias ajudando os bons e poucos padres que estão sobrevivendo às cobranças episcopais...
Esses leigos preferem ficar no seu mundinho enquanto isso, nas paróquias e dioceses começam a articulação para a CF 2022. As pequenas celulas como eles dizem!
Conservadores precisam unir-se mais em torno do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo e da sua Sã Doutrina não nas redes sociais mas nas paróquias!
Começar a frequentarem missas dominicais paroquiais e ao invés de ficar apontando os erros da equipe da liturgia e do padre, inserir-se e aos poucos mostrarem a beleza da Fé!

Pedro Erik Carneiro disse...

Verdade, caro Padre Policarpo.

Há enormes dificuldades para que leigos façam isso, quando trabalham e têm de cuidar da família e filhos, mas, sim, leigos devem se interessar pelo o que ocorre na suas dioceses.

Abraço